O principal estandarte do enlace burocrático que envolve o aeroporto da Capital, no entanto, é outro: o projeto de ampliação da pista para receber aeronaves de grande porte, principalmente aviões de carga, que possam levar produtos gaúchos para destinos mais distantes.
Prometido pelo Exército para março de 2011, o estudo de engenharia necessário para abrir a licitação e contratar a empresa para fazer a obra ainda não chegou aos gabinetes da Infraero. Em um enredo de encontros e desencontros, o Exército já chegou a anunciar ter entregue a avaliação, para depois comunicar que ainda estava fazendo a análise. Para evitar mal-estar, a Infraero deixou de cravar novos prazos, e limita-se a informar que o estudo está em fase de conclusão.
— A indefinição e a ausência de perspectivas são preocupantes. A ampliação da pista seria uma ótima oportunidade para Porto Alegre receber mais turistas durante a Copa do Mundo de 2014 — afirma Urbano Schmitt, secretário municipal da Copa do Mundo.
O atraso nessa obra causa descompasso no calendário de reformas do Salgado Filho. A construção de um complexo de logística de cargas, que servirá para atender justamente às aeronaves de grande porte que só poderão pousar quando a pista estiver ampliada, será concluída em abril de 2014. A estrutura de R$ 100 milhões ficará subutilizada até que a extensão da pista seja finalizada, conforme um dos engenheiros envolvidos na obra.
— Como não há projetistas da Infraero no Salgado Filho, qualquer tomada de decisão envolvendo as reformas passa por Brasília. O resultado é um atraso generalizado nos projetos e nas obras — afirma o engenheiro, que prefere não se identificar.
Os entraves endossam o coro a favor de um novo terminal na Região Metropolitana. Interlocutores do Estado em Brasília se reuniram em mais de uma oportunidade com diretores e técnicos da Secretaria da Aviação Civil para pedir a inclusão do projeto do aeroporto 20 de Setembro em uma nova rodada de concessões públicas. Orçado em pelo menos R$ 1,5 bilhão, o terminal seria erguido em parceria público-privada, em um terreno entre Nova Santa Rita e Portão, a 25 quilômetros de Porto Alegre.
Sem nova data
Previsto para ser finalizado em março de 2011, o estudo de engenharia para ampliar a pista do aeroporto Salgado Filho em 920 metros ainda está com técnicos do Exército. Em janeiro do ano passado, quando foi encomendado, a Infraero esperava receber o projeto em dois meses, prazo que acabou sendo esticado mais de 10 vezes — e agora ninguém mais arrisca uma nova data.
O atraso é um alerta às pretensões de Porto Alegre de contar com um aeroporto com maior capacidade até a Copa do Mundo de 2014. Além de inviabilizar a chegada e a partida de aeronaves maiores, com mais passageiros e cargas, o fracasso em desenlaçar a extensão da pista trava outras reformas importantes, como a instalação do ISL 2, instrumento que possibilita partidas e chegadas mesmo com a visibilidade reduzida pelo nevoeiro — frequente no inverno gaúcho.
Como se não houvesse mistério suficiente por trás da demora do Exército em concluir o estudo de engenharia, um novo capítulo foi adicionado à novela. A Infraero informa que o convênio com o Exército para a realização da análise se encerra no dia 23 de dezembro, e não há um plano B caso o trabalho não seja concluído.
Na sede da estatal que cuida dos aeroportos, a convicção é de que o projeto será entregue a tempo.
— A informação de Brasília é que o projeto está sendo finalizado e acompanhado de perto pela Infraero — explica Jorge Herdina, superintendente do Salgado Filho.
A projeção da Infraero é de finalizar a ampliação da pista até abril de 2014. A demora em receber o estudo seria compensada com uma agilização na publicação do edital e na contratação da construtora. Mas, tecnicamente, o prazo adentra o terreno da utopia.
Obra envolve drenagem e adensamento do solo
Conforme Fernando Schnaid, professor de geotécnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e contratado pelo Exército para fazer os estudos de solo, a construção do trecho adicional da pista demoraria, no mínimo, um ano e meio a partir da chegada das máquinas ao terreno. Ou seja, apenas se começasse hoje a ampliação estaria pronta até abril de 2014.
— Esta é uma obra complexa, envolve drenagem e adensamento do terreno. É viável, mas exige tempo, tecnologia e elevado investimento — explica Schnaid.
O atraso na entrega do projeto estaria ligado às dificuldades em adequar o orçamento às complexidades do terreno. Pela proximidade com o Guaíba, o solo do Salgado Filho é formado por uma argila mole e inconsistente, que precisa receber um tratamento especial para suportar o peso de uma aeronave de grande porte. Conforme fonte envolvida no projeto, a previsão de preço original, de R$ 227 milhões, já teria triplicada em função da necessidade de adaptar a pista inteira ao peso de aeronaves maiores. Procurado por ZH, o Exército não informou a situação do projeto.
Estado busca investidores para projeto alternativo
Diante das dificuldades em torno da ampliação do Salgado Filho, o governo do Estado tenta tirar do papel o projeto do aeroporto 20 de Setembro, em uma área de 2,5 mil hectares entre os municípios de Portão e Nova Santa Rita. Interlocutores do governo gaúcho se reuniram mais de uma vez com diretores da Secretaria da Aviação Civil para pedir a inclusão do projeto no próximo pacote de concessões de infraestrutura.
— Um novo aeroporto na região metropolitana de Porto Alegre é uma prioridade. Há o projeto em Nova Santa Rita, mas também há outras áreas onde o aeroporto poderia ser erguido — explica João Victor Domingues, secretário da assessoria superior do governo do Estado.
De acordo com Domingues, o governo gaúcho prepara um estudo de viabilidade técnica que será entregue à presidente Dilma Rousseff nas próximas semanas, indicando o local mais adequado para a estrutura, assim como o movimento de passageiros projetado. Esse documento irá sugerir um modelo de construção e administração do novo aeroporto, que poderá ser público ou público-privado (PPP).
— A exemplo dos aeroportos concedidos em fevereiro, o investimento poderia ser feito por empresas privadas, remuneradas pelas taxas de embarque, com a fiscalização do governo — afirma o secretário de Infraestrutura, Beto Albuquerque, ressaltando que caberia ao Rio Grande do Sul conceder o terreno.
A busca por parceiros, no entanto, já começou. O projeto de Nova Santa Rita é um dos temas que estão sendo tratados entre a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI) e potenciais investidores britânicos, que estão no Estado para participar British Week, até a próxima quarta-feira. O custo estimado do 20 de Setembro seria de R$ 1,5 bilhão.
Para as companhias aéreas, o novo aeroporto poderia ser uma alternativa para descentralizar os voos internacionais, criando um novo concentrador no Rio Grande do Sul, explica o comandante Régis Brito, da Azul Linhas Aéreas. Brito argumenta que a estrutura traria vantagens à indústria da Serra e do Vale do Sinos, que contaria com canal mais próximo para despachar mercadorias.
— O principal aeroporto do Estado está perto do limite e não oferece condições de expansão — acrescenta o comandante Brito
Pelo menos 10 anos para erguer um novo terminal
Especialistas em construção aeroportuária lembram que entre o projeto e a primeiro decolagem, são necessários sete anos, pelo menos, para um aeroporto virar realidade. No caso de um terminal no Brasil — levando em conta os potenciais atrasos — seria preciso uma década.
Diretor executivo da Agenda 2020, documento que propõe um modelo de desenvolvimento para o Estado, Ronald Krummenauer entende que o aeroporto Salgado Filho ainda é produtivo. Para ele, o tempo necessário para erguer um novo terminal — e os altos custos envolvidos — tornam a modernização do atual aeroporto a opção prioritária.
— Se conseguirmos destravar a ampliação da pista, já teremos resolvido o principal gargalo do Salgado Filho. O que se precisa é um esforço neste sentido — afirma Krummenauer.
Outro desafio à construção de um novo aeroporto na Região Metropolitana é o interesse de investidores. Conforme Jorge Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) na área de transporte aéreo e aeroportos, investidores dificilmente aceitariam colocar dinheiro em um terminal a poucos quilômetros de um concorrente.
— Apenas voos internacionais e conexões não sustentariam o negócio. Haveria pressão para que todos os voos fossem concentrados no novo aeroporto, com o fechamento do Salgado Filho — explica Medeiros.
Além das questões de mercado, no caso do 20 de Setembro, há ainda o entrave logístico: como a BR-448 (Rodovia do Parque) ainda não passa pelo terreno entre Portão e Nova Santa Rita, o deslocamento da Capital até o novo aeroporto dependeria da já congestionada BR-116. Para especialistas, poderia ser mais emergencial erguer um novo aeroporto na Serra, diluindo a concentração da demanda.
Rodovias poderão ser construídas até o novo terminal no futuro, mas conhecendo ritmo dos projetos no país, não haveria prazo para isso se concretizar. Quando o terminal 1 do Salgado Filho foi inaugurado, em 2001, por exemplo, os viadutos para facilitar o acesso não estavam prontos.
Fonte: ZERO HORA
27.10.12
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