Depois de cinco meses de espera, o Ministério Público estadual terá acesso a documentação solicitada judicialmente sobre os dados completos de incentivos e isenções fiscais concedidos no Estado. A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público recebeu carga do processo nesta semana, após uma série de tentativas do Executivo de atrasar a tramitação e, por consequência, a entrega das informações. A promotoria já solicitou ao Judiciário o compartilhamento das informações com o Ministério Público de Contas (MPC). O promotor de Justiça Nilson de Oliveira Rodrigues Filho pediu ainda que o Centro de Apoio Operacional Cível e de Defesa do Patrimônio Público designe promotores e servidores para auxiliar no exame da documentação. Ao todo, são 37 volumes. A análise vai concluir se o governo entregou todos os dados solicitados e se o que foi solicitado está dentro da legalidade ou não. Na prática, significa que o governo vai precisar explicar os motivos que o levam a abrir mão de receitas, e em benefício de quem. A ação vai esquentar os debates sobre a crise nas finanças e as alternativas para combatê-la.
Há mais de 10 anos o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o MPC e o Ministério Público apontam para as dificuldades dos órgãos de controle em acessar os dados completos sobre incentivos e isenções fiscais e tomaram diversas medidas administrativas para tentar obter as informações. A Secretaria da Fazenda do RS (Sefaz), contudo, sempre argumentou que eles eram protegidos por sigilo fiscal. A ação tramita em segredo de justiça na 7ª Vara da Fazenda Pública, em Porto Alegre, e foi proposta pela promotoria no final de novembro de 2016. À época, a juíza Marilei Lacerda Menna determinou prazo de 20 dias para o fornecimento das informações. O governo do Estado divulgou o o cumprimento da determinação. Mas, ainda em dezembro, ingressou com embargos de declaração, expediente não raro utilizado para atrasar a tramitação de ações judiciais. A juíza manteve a decisão inicial.
O Executivo não desistiu. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) ingressou com recurso. E interpôs um agravo de instrumento, que tramita na 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ), e tem julgamento marcado para a próxima quarta-feira, dia 26. “O governo alega que não divulga os dados em função do sigilo. Ora, sendo assim, não precisa recorrer”, considera o presidente da Associação do Ministério Público do RS (AMP/RS), Sérgio Harris. “De sua parte, o Estado destina aproximadamente R$ 9 bilhões ao ano em incentivos fiscais ao setor empresarial. É preciso auditar estas concessões”, completa o presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do TCE, Josué Martins.
O acesso pela via judicial ocorre em paralelo a dois fatos envolvendo a transparência nas relações entre governos e empresas. A primeira é a movimentação de deputados e dos órgãos de controle pela instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa para apurar quais empresas receberam incentivos fiscais do governo nos últimos anos, os montantes recebidos, as contrapartidas acertadas e a verificação sobre se as contrapartidas foram cumpridas. A segunda é a citação dos nomes dos ex-governadores Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB), hoje deputada federal, nas delações de executivos do grupo Odebrecht a procuradores da Lava Jato, como recebedores de recursos declarados e não declarados em campanhas eleitorais e a suposta relação entre o recebimento dos valores e a concessão de incentivos fiscais a Braskem, braço da Odebrecht no setor petroquímico que atua no RS.
Tanto Yeda quanto Rigotto, que depois de sair do governo prestou consultoria a Braskem, negam a existência de irregularidades. Por ser deputada federal, Yeda teve o pedido de inquérito aceito pelo relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido de investigação de Rigotto foi encaminhado a Justiça Federal porque ele não tem prerrogativa de função junto ao STF. Na última segunda-feira o MPC ingressou com representação junto ao TCE para auditar os incentivos fiscais concedidos à Braskem nos governos Rigotto e Yeda. A Corte acolheu a solicitação.
O QUE DIZ A PROCURADORIA GERAL DO ESTADO (PGE), QUE REPRESENTA O EXECUTIVO:
A Procuradoria informou que, como o processo tramita em segredo, não entrará em detalhes a respeito do recurso interposto pelo Executivo. Conforme a PGE: “a documentação foi entregue em cartório em 20 de dezembro, em cumprimento a antecipação de tutela. Recentemente, foram entregues mais documentos, relativos aos processos administrativos encerrados no início de 2017. A defesa do Estado diz que o Tribunal de Contas (TCE/RS) e o Ministério Público de Contas (MPC) querem ter acesso a dados sigilosos sobre os negócios e atividades de contribuintes estaduais sem se sujeitar a orientação jurídica contida nos pareceres da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e sem observar vários dos requisitos do Artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN), que trata do sigilo fiscal.”
O QUE DIZ O ARTIGO 198 DO CTN
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
CPI e Lava Jato podem investigar
O acesso de dados sobre isenções fiscais pela via judicial ocorre em paralelo a dois fatos que envolvem a transparência nas relações entre governos e empresas. O primeiro é a movimentação de deputados e dos órgãos de controle pela instalação de uma CPI na Assembleia gaúcha para apurar quais empresas receberam incentivos fiscais do governo nos últimos anos, os montantes recebidos, as contrapartidas acertadas e a verificação sobre o cumprimento de contrapartidas. O segundo é a citação dos nomes dos ex-governadores Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB), hoje deputada federal, nas delações de executivos do grupo Odebrecht a procuradores da Operação Lava Jato.
Rigotto e Yeda são apontados como recebedores de recursos declarados e não declarados em campanhas eleitorais. Esses valores teriam suposta relação com a concessão de incentivos fiscais à Braskem, braço da Odebrecht no setor petroquímico que atua no RS. Tanto Yeda quanto Rigotto, que prestou consultoria à Braskem depois de sair do governo, negam a existência de irregularidades. Por ser deputada federal, Yeda teve o pedido de inquérito aceito pelo relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, no âmbito do Supremo. O pedido de investigação de Rigotto foi encaminhado à Justiça Federal porque ele não tem prerrogativa de foro junto ao Supremo. Na última segundafeira, o MPC ingressou com representação junto ao TCE para auditar os incentivos fiscais concedidos à Braskem nos governos Rigotto e Yeda. A Corte acolheu a solicitação.
O QUE DECIDIU A JUÍZA
– Despacho em 28/11/2016
“Ao que parece houve entraves por parte da administração pública no que tange à demonstração de dados a respeito das renúncias fiscais e na constituição e extinção dos créditos tributários impossibilitando ao Ministério Público o exame detalhado da Gestão da Receita Pública Estadual. Ressalto que descabe aqui a arguição de sigilo fiscal diante do que dispõe o artigo 198, §2?, do Código Tributário Nacional a respeito da obrigatoriedade de compartilhar as informações no âmbito da Administração Pública.
Despacho em 10/01/2017
– “Mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos. (…) O artigo 1.022 do Código de Processo Civil estabelece que cabe embargos de declaração para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão; e corrigir erro material. A decisão é clara, não é obscura, não possui contradição, não há erro material e nem é omissa. (…) O processo terá andamento em segredo de Justiça.”
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