10/10/2013

A correção de projetos é responsabilidade do órgão público?

Artigo do engenheiro Vinicius Galeazzi  (presidente do Conselho Técnico Consultivo do SENGE-RS)

É cada vez mais caótica a situação da SMOV e SMURB, secretaria de obras e de urbanismo, da Prefeitura do Município de Porto Alegre no escopo de analisar e aprovar projetos de construção e reforma de edificações. Tentando equacionar o problema, a decisão da atual gestão foi desistir de seu órgão de planejamento (SMP), substituí-lo por um de urbanismo (SMURB) e levar para perto de si o setor de protocolo dos processos, distanciando-o das secretarias que os analisam. Uma cidade de 1,4 milhões de habitantes, com mais de 240 anos de história, abre mão de seu planejamento, para tentar achar caminho para agilizar o licenciamento de obras.

1 – Mais de cem projetos arquitetônicos se acumulam, por dia, a espera de análise. As prateleiras do setor de protocolos, e os corredores que lhe deveriam dar acesso, estão abarrotados de processos. Funcionários insuficientes e desmotivados em função de salários defasados e de equipamentos obsoletos, com a ajuda de estagiários inexperientes no atendimento, são responsáveis pela correção dos projetos que se acumulam, nesse momento, nas secretarias envolvidas. A PMPA não tem infraestrutura para essa tarefa, e a curto prazo, também não terá, se não mudar totalmente os parâmetros de licenciamento de construção. Esses projetos estocados significam milhões em recursos não arrecadados que estariam entrando nos cofres públicos se estivessem em construção ou prontos, atingindo mão de obra, comércio e indústria.

2 – Um projeto arquitetônico deve obedecer várias leis que o projetista deve ter conhecimento: o Plano Diretor, o Código de Edificações, o Plano de Proteção Contra Incêndio, as Normas Técnicas de água, esgoto cloacal e pluvial, permeabilidade, etc. e o cipoal de emendas a essas normas, emanadas da Câmara de Vereadores que, a qualquer momento, modificam as regras desses documentos. Não há, nesta cidade, consolidação dessas emendas em documento único e não se tem perspectiva de que isso venha acontecer a curto e médio prazo, responsabilidade dos vereadores.

3 – É humanamente impossível que um arquiteto ou engenheiro recém formado ou advindo de fora, tenha condições de conhecê-las todas e aplicá-las adequadamente, elegendo as alternativas mais viáveis, com a responsabilidade, que lhe cabe, de autor de projeto, sem assessoria de escritório experiente ou sem a prevista correção dos revisores da PMPA. Itens de projetos que geram dúvidas ou discussão são motivos de consultas presenciais de plantão técnico, doze por dia, quando não, conduzidos a comissões técnicas, levando dias ou meses de espera.

3 – Pelo status atual, é responsabilidade civil do revisor e/ou de seu supervisor, (não mais do prefeito), que qualquer erro de projeto possa causar dano ou prejuízo aos usuários das edificações. Demandas judiciais motivadas por erros de projeto podem responsabilizar a PMPA e, consequentemente, quem aprovou o projeto. Obviamente, por isso e também por sua consciência técnica, os revisores analisam um projeto exaustivamente e em etapas.

4 – A Análise é feita em etapas, isto é, num projeto não são corrigidos todos os seus defeitos de uma só vez. O profissional deve chegar a um quadro de áreas inicial perfeito, para depois serem elencados outros itens a corrigir, em sequência. E assim por diante. Esse procedimento gera várias entradas e saídas do processo e do profissional na sala de espera das várias secretarias.

5 – O profissional sabe que se houver erros, isto é, inadequações aos milhares de itens das várias leis e normas que ele deveria conhecer, o revisor tem a responsabilidade de revisar.

6 – Todos esses passos geram uma morosidade de meses, e anos até, no andamento do licenciamento de uma construção em Porto Alegre. Quanto maior ou mais complexo o projeto, maior a probabilidade de maior demora.

7 – Tal situação pode propiciar, sim, a quem vê o tempo passar, tem clientes prejudicados reclamando o desgaste financeiro e o projeto não anda, ser tentado buscar solução obscura para solucionar seu problema particular. Recentemente, funcionários foram afastados após sindicância que os identificou facilitando caminho mais curto a quem lhes pagou. Esse clima oportuniza desconfianças dos usuários e injusto desconforto aos funcionários que nada tem a ver com isso. As campanhas eleitorais ostensivamente ricas de pessoas que foram titulares das secretarias envolvidas em liberação de projetos autorizam a pensar em beneficiamentos mútuos, nada se pode afirmar, mas tudo se pode pensar.

8 – Os prejuízos dessa situação de alta morosidade, e consequências correlatas, em liberar construções atingem principalmente os arquitetos e engenheiros que atuam diretamente com projetos e os penalizam financeiramente. Mas prejudica muito, também, os construtores grandes e pequenos, as incorporadoras, as imobiliárias, os operários da construção civil, os fornecedores e fabricantes de materiais de construção. Os funcionários públicos também são prejudicados, além do desgaste moral e físico. A sociedade portoalegrense é prejudicada, porquanto não usufrui as obras e serviços que poderiam ser gerados pelos impostos obtidos, se esses projetos estivessem em construção ou concluídos.

9 -O recente Decreto 2010 do Município de Curitiba permite rediscutir de quem é a responsabilidade civil do projeto arquitetônico da edificação: Do seu autor ou do revisor de seu projeto no órgão público. Com certeza, tentando agilizar o processo de licenciamento de construções naquela capital, o decreto determina que a Municipalidade tem a obrigação de disponibilizar ao profissional os itens básicos do Plano Diretor e dele cobrar a devida aplicação dos mesmos. O profissional autor do projeto arquitetônico, assim como o responsável pela construção, assinam declaração de responsabilidade civil sobre seu trabalho, de que atendem o Código Civil e todas as outras leis e normas pertinentes decorrentes. Não há revisão do projeto arquitetônico pelo órgão público. Se há discordância entre a construção já concluída e as normas públicas só será vista na vistoria de Habite-se da Prefeitura e será responsabilidade de quem projetou ou de quem construiu readaptar. Se possível.

10 – Em Curitiba, o autor do projeto arquitônico tem responsabilidade civil sobre o seu projeto.

11 – Mas isso não é novidade noutras áreas, também aqui em Porto Alegre. O engenheiro projetista estrutural é responsável único pelo acerto de seu trabalho e qualquer problema resultante de um cálculo incorreto é dele. O que projeta e faz as fundações, também. O que faz o projeto elétrico, a mesma coisa: a CEEE não revisa mais o seu trabalho. Quando um médico faz uma cirurgia, não faz um memorial dos procedimentos e os submete à Secretaria da Saúde.

12 – Eu sou engenheiro de construção e meu trabalho sempre foi assim, com responsabilidade técnica e civil. Qualquer desacordo com projeto, fissura ou inadequação, tenho que refazer. Qualquer desastre, acidente de trabalho ou reclamação dos usuários após a entrega da obra, sou responsável.

13 – Por um lado, pode-se considerar que é um paternalismo do órgão público estar revisando os projetos arquitetônicos, quando seu autor deveria ser responsável. O DMAE também, ainda revisa o projeto hidrossanitário dos profissionais nos detalhes. Por que a PMPA faz esse trabalho, se nem estrutura tem para tanto?

14 – É imperativo: A PMPA precisa mudar os parâmetros de licenciamento de construções, não só tentar remontar o sistema pesado, como está fazendo. As mudanças propostas, desistir de planejar a cidade para criar secretaria de urbanismo, tentando integrar as ações de secretarias que se negam a desfazer seus feudos e distanciar o protocolo das secretarias envolvidas, não vão levar à situação muito diferente do que está agora, desintegrando tudo e desagradando funcionários.

15 – Desvencilhar-se da responsabilidade de revisar projetos arquitetônicos, pode baixar muito as pilhas e agilizar. A Municipalidade disponibiliza, na rede internet, as exigências básicas dos terrenos urbanos e revisa, no projeto de localização e situação, se estas estão sendo obedecidas e então licencia a construção. Daí para frente, é responsabilidade civil do autor do projeto e do construtor. Ao final, libera o prédio construído com uma Carta de Habite-se para o registro de imóveis ou não.

16 – Para isso, é responsabilidade da Municipalidade, Executivo e Câmara de Vereadores consolidar as emendas em uma lei única e sistematizar os procedimentos legais. Isso é condição para permitir a quem projeta ter em mãos o instrumento legal adequado para seu trabalho.

17 – Conforme a complexidade dos projetos, o Município tem condições de classificá-los conforme o nível A, B ou C, simplificando os procedimentos legais para licenciamento de construções mais simples, como existia os projetos simplificados para construções unifamiliares e foi suprimido.

18 – Como os médicos recém formados não se põem a fazer cirurgias complicadas, antes de uma residência, e se servem de acompanhamento de outros médicos experientes, assim arquitetos e engenheiros recém formados deverão assumir projetos mais simples ou procurar um assessoramento. Não é nada diferente para aqueles engenheiros ou arquitetos novatos que partem direto para o canteiro de obra de uma construção ou para elaborar um projeto estrutural.

19 – Por outro lado, há uma outra questão, um contraponto, que deve ser ponderada. É dever do Estado, do Poder Público instituído zelar pelo bem estar de todos. Ele é responsável por exigir que o bem comum esteja acima do interesse e lucro particulares. Se há uma construção mal projetada ou mal executada ou se é construída em lugar incorreto e isso prejudica a coletividade, ela tem a obrigação de agir. Ao revisar os projetos arquitetônicos e urbanísticos, ela antecipa esse seu papel, de forma menos dispendiosa. Este é seu papel. Não sei como Curitiba pensa encarar essa situação do fato consumado, se já tem solução ou há fiscalização metódica antecipada durante as construções, com direito a embargo.

20 – Por outro lado, construções com dimensões ou localização irregular, edificadas com liberações compradas (pode-se pensar que isso pode ter ocorrido, uma vez que recente investigação do Ministério Público prendeu e fez afastar autoridades ambientais) deveriam ser demolidas, pelo bem público, se não atendem as exigências. Mas numa demanda judicial desse porte, advinda do MP, exigindo o devido reparo ambiental ou urbanístico, com a demolição do prédio mal feito, pesa na decisão do juiz o desperdício do volume de dinheiro aplicado e pode acontecer que o mal feito resulte permanente. Assim, o fato consumado pode começar a se generalizar e significar uma paisagem urbanística e arquitetônica distorcida.

21 – Assim, desonerando a PMPA do trabalho de revisão do projeto arquitetônico, para licenciar construções e aliviar sua tarefa, outra alternativa deve ser pensada para que se persiga sempre a excelência das construções dos prédios da cidade.

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