20/07/2018

Ciclo de Palestras SENGE: economista David Deccache fala sobre a crise do capital e o fenômeno da uberização

Nesta quinta-feira (20) o SENGE recebeu o economista David Deccache, que palestrou sobre a crise estrutural do capital na economia brasileira e o fenômeno da uberização.

A iniciativa integra o Ciclo de Palestras SENGE, realizado pelo Conselho Técnico Consultivo da entidade, que, no estudo da uberização do mercado do trabalho e da indústria 4.0, criou uma comissão para aprofundar o assunto formada pelos engenheiros Luiz Antônio Grassi, Arnaldo Dutra, Gerson Cavassola e Vinicius Galeazzi.

O Ciclo de Palestras SENGE já recebeu o economista Enéas de Souza, que tratou da financeirização da economia e do mercado do trabalho no contexto do geopolítico mundial, e também e o professor do Instituto de Informática, Sergio Bampi, que falou sobre a internet das coisas, indústria 4.0, tecnologia da informação e suas implicações no mercado do trabalho.

DECCACHE ANALISA AS CAUSAS E IMPACTOS DA MAIOR RECESSÃO DA HISTÓRIA

Economista (UFRRJ) e Mestre em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), David Deccache atualmente é assessor econômico na Câmara dos Deputados e membro do Núcleo de Estudos em Economia e Sociedade Brasileira (NEB – UFF). Tem se dedicado à análise das causas estruturais da crise brasileira da década de 2010.

Deccache abriu sua palestra analisando a grande recessão do biênio 2015-2016 e as medidas de austeridade fiscal implementadas desde então, desempregando milhares de brasileiros, reduzindo salários, elevando a informalidade no mercado de trabalho e atacando o estado de bem-estar social. Segundo Deccache, o “diagnóstico convencional” aponta três motivos para a crise: o descontrole da dívida/PIB, o déficit primário em 2014 e o descontrole de gastos, um tripé que motivou “um dos mais brutais ajustes fiscais”, conforme classificou o economista.

Ele fundamenta sua análise em dados sobre a evolução da dívida do setor público. Em janeiro de 2003, a dívida líquida do setor público era de 60,26% em relação ao PIB. Em dezembro de 2014, o momento da virada à austeridade, estava em apenas 32,59% do PIB. Em janeiro de 2018, três anos após o início do programa de austeridade, chegou a 51,78% do PIB. Já a dívida bruta, indicador utilizado agora para justiçar a austeridade fiscal, era de 57,19% do PIB em 2014 e chegou a 74,54% do PIB em janeiro de 2018.

 “A elevação da taxa de juros trouxe a maior recessão da história brasileira. Após profundos cortes e maior austeridade para controlar uma suposta crise fiscal, estamos produzindo os piores índices primários da nossa história, cenário que deve se estender até 2021 segundo o FMI. Será que era mesmo para controlar o resultado primário que foi imposta a austeridade, como alegaram?”, questionou Deccache.

“Desde 2015 também foi alterada bruscamente a trajetória de aumento de despesas, com profundos cortes no orçamento de diversos setores e a implementação do teto dos gastos, e a arrecadação do governo também despencou. Dá para desconfiar desse diagnóstico e da sua eficácia”, criticou o economista.

Em relação às taxas de ocupação, Deccache apontou que, em dezembro de 2014, o desemprego era de 6,5%, o menor nível da série histórica. O índice praticamente dobrou em janeiro de 2018, chegando a 12,2%. A taxa de subutilização da força de trabalho, que abrange pessoas desocupadas, subocupadas e a força potencial, era de 15,4% no último trimestre de 2014, passando a 24,7% no primeiro trimestre de 2018. O economista salienta que esta é a maior taxa da série histórica iniciada em 2012, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). “Hoje, falta trabalho para R$ 27,7 milhões de pessoas”, alerta Deccache.

Em 2016, o país ainda sofreu a maior queda de salários em termos reais entre os países do G20, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho. “Em um cenário de altas taxas de desocupação, quedas salariais, precarização do trabalho e aumento da informalidade, foi implementado o teto dos gastos para ajudar a controlar os indicadores que pioraram no período, acarretando no desmonte do estado de bem-estar social” apontou o economista.

Deccache classifica a situação como um conflito distributivo entre o capital e o social. “Os salários cresceram muito, fazendo os lucros despencarem e criando um conflito distributivo. Os altos níveis de emprego e o maior poder de barganha do empregado pressionaram os salários para cima, esmagando parcela de lucros. Isso se resolveu em 2015 em favor do capital, a partir da austeridade fiscal, com queda dos salários e consequente aumento dos lucros.”

Na sequência o economista apresentou gráfico de variações orçamentárias nominais no período de 2014 a 2017, que demonstra o esmagamento de despesas discricionárias em segmentos fundamentais para a sociedade, como segurança alimentar, meio ambiente, moradia, entre outros. Em comparação, aumentaram significativamente as despesas de serviço da dívida interna, com pagamento de juros e amortizações, integralização de cotas em organismos financeiros internacionais e o refinanciamento da dívida externa.

“Em 2015 se inicia o corte das despesas discricionárias, com o início da austeridade fiscal. Um bom parâmetro para medir os níveis de austeridade é a trajetória das despesas. Essas despesas são basicamente o investimento público que faria a economia circular, aumentar a arrecadação, gerar empregos e potencializar a demanda. Mas o que acontece com a austeridade imposta é que a dívida explode e o desemprego também, ao contrário do que foi dito”, critica.

“Tenho acompanhado o debate dos presidenciáveis. É incrível observar como os candidatos são entrevistados, e as perguntas feitas pelos jornalistas começam sempre com ‘como o senhor vai fazer o ajuste fiscal’, como se esse fosse o problema. Na verdade, o problema foi criado pelo ajuste. Também perguntam sobre a Previdência, como se fosse outro problema. Logo a Previdência, que salvou milhares de pessoas durante a crise. Em muitas famílias, são os avós quem tem a renda certinha na conta, depositada todo o mês, e são eles quem mantêm a comida na mesa, enquanto o resto da família perde o emprego. Imaginem se não tivéssemos esse sistema? As pessoas voltariam a morrer de fome, como na década de 90”, analisou Deccache.

Dando sequência ao tema, o economista abordou o fenômeno da uberização no Brasil, que vem inspirando diversos outros segmentos de serviços e impondo uma nova forma de relacionamento entre o cliente e o profissional. Conforme dados apresentados pela própria UBER ao Congresso, durante a tramitação do projeto de lei que visava a regulamentação de aplicativos, a empresa cresceu 900% entre 2016 e 2017. Entre as 600 cidades onde atua, 100 estão no Brasil. No seu universo de usuários, 1/6 dos motoristas de UBER no mundo são brasileiros, assim como ¼ dos usuários. “Se observarmos os números, a empresa concentra grande parte da sua operação no nosso país. E a explosão de crescimento ocorreu concomitante ao processo de precarização e aumento do desemprego. Nesse sistema de ‘uberização’, cria-se uma crise de desemprego e vende-se a precarização do trabalho como solução”, apontou.

Deccache apresentou também um panorama da crise estrutural do capital, que se prolonga desde os anos 60 até os dias de hoje. “É uma crise de superacumulação e superprodução de capital, que se manifesta na queda das taxas de lucros. É também endógena e faz parte do sistema. A resposta para esse cenário é uma agenda neoliberal, onde se amplia o fluxo de capital financeiro, cria-se novos espaços de acumulação, aumenta-se a concentração de capitais, defende-se que existe uma crise fiscal e impõe-se uma agenda de austeridade fiscal, ente outras medidas”, explicou.

O economista destacou ainda outro ponto: a recuperação de níveis “disciplinadores” de desemprego. “Cria-se uma falsa recessão fiscal para ampliar as taxas de desemprego. Isso acontece porque o desemprego é disciplinador. Enquanto está seguro e tem opções no mercado, o emprego pode demandar melhores condições de salário e de trabalho. Na crise, o desemprego aumenta e, por medo, as pessoas se submetem à condições precárias e salários mais baixos, e assim se aumentam as taxas de lucro dos empregadores.”

Deccache encerra a palestra apontando algumas saídas para a crise que, na sua opinião, poderiam ser “cartas na manga” se essa fosse a opção do governo. “Hoje há uma escolha política deliberada de destruição da soberania nacional e do desenvolvimento. É preciso reverter o teto e retomar a capacidade de investimento público em demandas concretas da sociedade, por melhores serviços de saúde e educação, transporte urbano e interurbano, moradia, cultura, saneamento básico e pela preservação do meio-ambiente”, concluiu.

Assista à palestra: 

 

FIQUE ATENTO

O Ciclo de Palestras SENGE tem continuidade no dia 31 de julho, às 18h, com a participação da doutora em Ciências Sociais, Ludmila Abílio. A participação é gratuita.

Participe! 


31 de julho (terça-feira), 18h

O TRABALHADOR INTERMITENTE, O TRABALHADOR AUTÔNOMO E A UBERIZAÇÃO DO TRABALHO

LUDMILA COSTHEK ABÍLIO – Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP (2011); graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP (2001) e mestra em Sociologia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP (2005). Atua principalmente nos seguintes temas: Uberização do trabalho: novas formas de gestão, organização e controle do trabalho; Relações entre exploração do trabalho, financeirização e acumulação capitalista; Estudos do desenvolvimento: exploração do trabalho e acumulação capitalista na periferia; Relações entre trabalho e consumo no capitalismo contemporâneo. Fez seu Pós-doutorado (FEA-USP) sobre a chamada nova classe média brasileira, tratando da relação entre exploração do trabalho, desenvolvimento e acumulação capitalista na última década, com estudo empírico sobre o trabalho dos motofretistas na cidade de São Paulo. Atualmente é pesquisadora do CESIT, na Faculdade de Economia da UNICAMP, onde desenvolve pesquisa de Pós-Doutorado sobre Desenvolvimento, atuais políticas de austeridade e as transformações do trabalho no Brasil; com enfoque na Uberização do trabalho e pesquisa empírica com motofretistas na cidade de São Paulo.


16 de agosto (quinta-feira), 18h

O PROTAGONISMO SINDICAL FRENTE ÀS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E À REFORMA TRABALHISTA

MARILANE OLIVEIRA TEIXEIRA – Economista e doutora em desenvolvimento econômico pela UNICAMP, pesquisadora na área de relações de trabalho, gênero e sindicalismo e assessora sindical.


26 de setembro (quarta-feira), 18h

A REFORMA TRABALHISTA: PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E COMPROMETIMENTO DAS FONTES DE FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL

JOSÉ DARI KREIN – Docente da Universidade Estadual de Campinas, possui doutorado em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (2007), mestrado em Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (2000) e graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1982). Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Emprego, Relações de Trabalho, Sindicalismo e Negociação Coletiva. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, Pesquisador e diretor do CESIT (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho). Membro da diretoria da ALAST (tesoureiro) no mandato 2010-2013. Presidente da ABET (2007-2009). Membro da comissão de apoio à ABET no mandato atual, membro da GLU (Global Labor University).

 

SAIBA MAIS SOBRE O CICLO DE PALESTRAS SENGE 

 

 

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