08/10/2012

CONSTRUINDO IDEIAS – Projeto automotivo, vanguarda do quê?

Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, explicitou o projeto nacional da administração da presidente Dilma, quando declarou a Guilherme Barros, jornalista da “Isto É Dinheiro” (25/9), que “está havendo uma grande mudança estrutural na matriz econômica brasileira”. Segundo o ministro, a ordem de Dilma seria “reduzir o custo Brasil e incentivar o investimento das empresas, garantindo a competitividade internacional e, claro, os empregos dos brasileiros no futuro”.

O regime automotivo que irá vigorar de 2013 a 2017 é uma peça significativa nesta “grande mudança estrutural”. Foi aplicado um aumento de 30% do IPI, tanto para os veículos importados quanto para os montados internamente. As empresas terão descontos, se atingirem as metas de redução de consumo de combustível e utilizarem componentes produzidos no Brasil.

Estou perplexo com a confiança microeconômica ministerial. O ministro pretende modificar nossa indústria automobilística, “que é muito boa, pujante, sólida, mas é atrasada”. Retoma, com delicadeza, a declaração do presidente Collor de Melo, de que o automóvel feito no Brasil “é uma carroça”.

É útil reativar a memória quanto ao nascimento e trajetória da indústria automobilística. Na segunda metade dos anos 50, JK aprovou um plano que outorgava incentivos tributários, financeiros e cambiais às empresas montadoras que cumprissem um plano de montagem de veículos e ampliassem a participação de componentes e serviços produzidos no Brasil. No segmento das montadoras, se instalaram a Mercedes, Volkswagen e Scania. A adesão das multis europeias provocou a aceitação do programa pela General Motors e Ford. Houve a tentativa de instalar montadoras brasileiras, mas nenhuma sobreviveu. Porém, o plano previa que, na fabricação de autopeças somente seriam incentivadas empresas sob controle acionário de brasileiros.

Nos anos 60, houve a progressiva desnacionalização das empresas brasileiras fabricantes de autopeças e aconteceu uma nova e massiva migração de outras multis, tendo início com a Fiat, seguida pela entrada de outras filiais de multis europeias e asiáticas. Agora, o regime automotivo do governo Dilma anuncia a chegada de duas empresas chinesas – JAC e Cherry – e da alemã BMW.

Não há nada de novo no regime proposto pelo atual governo. É ridículo imaginar que algumas poucas novas filiais estrangeiras modifiquem o padrão comportamental da constelação estelar de multis no território brasileiro. Nós deveríamos colocar algumas perguntas: por que não existe nenhuma marca nacional? Por que a competição intermonopólica das filiais, com mais de meio século, não gerou inovações significativas? Por que, no Brasil, a contribuição lucrativa embutida é de 10% do valor do veículo, enquanto a média mundial fica em 5% (3% nos EUA)? Por que somos perdedores de divisas, tanto na balança comercial quanto no balanço de capitais?

O crescimento da frota de automotores foi de 9% ao ano, na malha urbana brasileira, durante os últimos 15 anos. Aparentemente, o governo aposta que os brasileiros continuarão se endividando para comprar veículos e que haverá uma depreciação acelerada dos modelos bebedores de gasolina

O mercado automobilístico brasileiro apresenta algumas características singulares. É enorme o endividamento para a compra do veículo novo e, geralmente, isso vai associado à venda do carro usado. O carro usado pode passar por muitas mãos e ser restaurado por magníficos artesãos-lanterneiros e suprido de peças de reposição criadas artesanalmente, muitos anos após a retirada dos modelos de linha. Há, por conseguinte, um mercado de primeira mão que se sustenta, em parte, com o da segunda mão.

É imediata a desvalorização do veículo novo. Após a primeira ligação de chave do primeiro comprador, isto é, entre o salão da revendedora e o preço na “calçada”, o veículo perde de 15 a 20% de seu valor. O objeto de sonho de consumo dos brasileiros é um bem de exibição, quando de primeira mão, que se converte, progressivamente, em bem patrimonial aos adquirentes subsequentes. Esse mercado pode ser perverso, pois a perda do valor, compensada pelo prestígio exibido com o carro novo, é apenas redução de patrimônio para o adquirente do carro usado. Associando vendas em longo prazo com juros embutidos, quase sempre o valor residual do veículo é inferior à dívida residual. Se houver uma política de acentuada desvalorização dos carros usados, haverá um aumento exponencial da inadimplência.

Não resisto a afirmar que o modo brasileiro de organizar esse mercado dessa forma singular amplia o universo dos proprietários de veículos, gera cadeias empresariais e faz renascer um original artesanato. Porém, pelo seu lado perverso, pode estimular uma crise setorial com implicações graves para a atividade econômica.

Com o crescimento da população automobilística a 9% ao ano, é fácil entender o apetite das montadoras para estar no Brasil. Não é difícil antever um caos urbano que faz da avenida Paulista, num dia de domingo, um espaço engarrafado. À virtuosidade patrimonial do endividamento para a compra da casa própria, que é, na verdade, uma capitalização dos aluguéis que deixam de existir, se contrapõe um risco familiar patrimonial, um risco existencial com o trânsito congestionado, um risco macroeconômico de uma bolha de dívida sem lastro num sucateamento dos veículos de segunda mão.

Apostar na microeconomia é, em ultima instância, reiterar a firme adesão brasileira ao Consenso de Washington, e permanecemos à espera de respostas às questões aqui enunciadas.

P.S.: O modelo de primeira e segunda mão aplicado à motocicleta está produzindo a eliminação do animal de transporte e trabalho – cavalo e jegue – e aumentando a viuvez com o uso sem qualquer controle de motos usadas, inclusive, em trabalhos agrícolas.
Por Carlos Lessa – professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

Editorial – Valor Econômico
03/10/2012

 

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