13/03/2017

Plano de Temer para recuperar a economia ameaça empresas brasileiras

Fonte: Infomoney (10/03/2017)

As estratégias adotadas pelo governo Michel Temer para atrair investimentos na economia real e retomar a atividade econômica em meio à maior recessão da história podem trazer efeitos colaterais à saúde das empresas nacionais. É o que avaliam alguns especialistas ouvidos pelo InfoMoney. Em meio à crise de endividamento do setor privado e a percepção de baixa capacidade do governo em estimular uma recuperação através de recursos próprios, os investidores estrangeiros ganharam um papel ainda maior na política econômica atual.

É nesse sentido que uma série de medidas entendidas como positivas ao mercado têm sido tomadas. Com impactos diretos sobre o nível de atividade, para além das reformas estruturais representadas pelo teto de gastos públicos e as reformas previdenciária e trabalhista, vale destacar medidas como a MP das “relicitações”, editada no final do ano passado. Pelo texto, o governo pode fazer um leilão de rodovia, ferrovia ou aeroporto antes do fim da atual concessão, desde que a antiga concessionária não venha cumprindo as exigências contratuais, em dificuldades financeiras.

Em consonância com tal medida, merece atenção um decreto editado pelo mesmo governo há pouco mais de um mês, ampliando as possibilidades de os bancos público oferecerem garantias às empresas estrangeiras interessadas em operar no país. Por trás da aposta de todas as fichas do governo na retomada do crescimento via investimentos estrangeiros, especialistas chamam atenção para um paradoxo instalado.

Se nos últimos governos, recaía a crítica da atuação dos bancos públicos no sentido de oferecer crédito a companhias nacionais (em condições de obter financiamento por outros meios no setor privado) em operações internacionais, a decisão da atual gestão de garantir a entrada de grandes empresas estrangeiras (também em condições de obter crédito privado) para competir no mercado nacional com companhias em crise também já tem gerado questionamentos.

Abaixo, uma contextualização do decreto 8.957 e as possíveis mudanças nas políticas dos bancos públicos:

Acenos pré-Davos
Na mesma semana em que Henrique Meirelles (Fazenda) e Ilan Goldfajn (Banco Central) se preparavam para reuniões e painéis com megaempresários globais no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o governo editou um decreto pouco divulgado pelas páginas oficiais e pela imprensa, para ajudar na venda de projetos de investimentos a estrangeiros no país – hoje tido como principal foco de esperanças para tirar a economia do quadro depressivo.

O Decreto nº 8.957 amplia o leque de setores em que empresas estrangeiras podem atuar com incentivos e garantias oferecidas pelos próprios bancos públicos brasileiros ou Tesouro Nacional, classificados como de “interesse nacional”, usando como base a Lei 4.131/1962, que disciplina o capital estrangeiro no país.

Diz o texto da Lei original (os destaques foram feitos por esta reportagem):

Art. 37. O Tesouro Nacional e as entidades oficiais de crédito público da União e dos Estados, inclusive sociedades de economia mista por eles controladas, só poderão garantir empréstimos, créditos ou financiamentos obtidos no exterior, por empresas cuja maioria de capital com direito a voto pertença a pessoas não residentes no País, mediante autorização em decreto do Poder Executivo.
Art. 38. As empresas com maioria de capital estrangeiro, ou filiais de empresas sediadas no exterior, não terão acesso ao crédito das entidades e estabelecimentos mencionados no artigo anterior até o início comprovado de suas operações, excetuados projetos considerados de alto interesse para a economia nacional, mediante autorização especial do Conselho de Ministros.
Art. 39. As entidades, estabelecimentos de crédito, a que se refere o artigo 37, só poderão conceder empréstimos, créditos ou financiamentos para novas inversões a serem realizadas no ativo fixo de empresa cuja maioria de capital, com direito a voto, pertença a pessoas não residentes no País, quando elas estiverem aplicadas em setores de atividades e regiões econômicas de alto interesse nacional, definidos e enumerados em decreto do Poder Executivo, mediante audiência do Conselho Nacional de Economia.

O texto, assinado há pouco mais de um mês por Michel Temer, Dyogo Oliveira (Planejamento) e Eduardo Guardia (Fazenda), modificou o Decreto 2.233/1997, incluindo áreas da economia como saúde, educação e serviços de eficiência energética, além de trazer nomenclatura nova ou alterações pontuais em setores anteriormente contemplados.

A tabela abaixo mostra o que mudou:

“Foi um movimento para chamar investimento internacional como medida para superar a crise, em um contexto em que as empresas brasileiras não têm mais disponibilidade ou têm dificuldade de se capitalizar e ter recursos”, observa a advogada Josie Barros, especialista em Direito Regulatório, do escritório Sampaio Ferraz Advogados.

“O investidor estrangeiro passa a ver o mercado [brasileiro] como mais amigável. Obviamente que, além de novos investimentos, isso facilita trocas de controle de empresas que hoje estão em dificuldade”, complementa.

Interesses contraditórios
A despeito de a legislação se referir aos setores da economia tipificados como de “interesse nacional”, reclamou-se da falta de divulgação por parte do governo ou até da forma como as modificações passaram despercebidas pela própria imprensa.

“Se o decreto foi feito para expandir os setores de interesse nacional, seria de interesse nacional que houvesse uma divulgação efetiva da medida. A impressão que fica é que nem o próprio governo acredita que seja o caso”, observou o economista Felipe Rezende, pesquisador e professor-associado da Hobart and William Smith Colleges, nos Estados Unidos.

O termo “interesse nacional”, diz Rezende, é utilizado pela lei de 1962 de forma diversa à normalmente aplicada. “Interesse nacional geralmente é adotado no sentido de soberania. Não que esses pontos não sejam de interesse nacional propriamente dito. Eles tentaram usar o termo de forma que seja difícil contestar retoricamente”.

Normalmente, setores de interesse nacional são conhecidos por receberem maior proteção do Estado; neste caso, contudo, as áreas contempladas são aquelas em que é permitido auxílio de órgãos públicos nacionais ao ingresso de grupos estrangeiros.

Manobra arriscada micro e macroeconomicamente
Ainda há pouca clareza sobre como se dará a oferta de garantias para empresas estrangeiras desses setores específicos. “É uma garantia soberana para essas empresas que tomaram crédito no exterior. Isso possibilita, em grande medida, não só que o estrangeiro possa entrar, mas também que ele possa trazer recursos de financiamento de fora, porque, em última instância, ele tem uma garantia do empréstimo que vem de fora — a União ou o Tesouro bancando isso”, interpreta Gabriel Galípolo, professor do departamento de economia da PUC-SP.

Para ele, o plano ousado do governo pode colocar as empresas brasileiras em desvantagem na competição — e muito por conta da possível atuação das próprias instituições brasileiras. Além disso, o economista acredita que a falta de clareza na definição das garantias oferecidas em lei pode abrir precedentes temerários no campo macroeconômico.

Pelos mecanismos atuais, não haveria impeditivos legais para a empresa estrangeira obter financiamento externo com garantias oferecidas pelos próprios bancos públicos brasileiros, desde que o setor em questão esteja dentro do grupo abarcado no recente decreto. “Gerar financiamento em dólar para setores que não geram receita em dólar (como saúde e educação, por exemplo) é extremamente perigoso, porque você fica com problema de descasamento de moedas. Quem vai ficar com esse risco cambial?”.

Galípolo lembra que projetos intensivos em capital e com longo prazo de maturação normalmente contam com mecanismos de mitigação do risco cambial, sobretudo em casos de moedas não-conversíveis e voláteis, como o real. Conta o professor que, no caso brasileiro, historicamente optou-se por duas alternativas: 1) imputar a conta à União e ao Tesouro, o que faz com que, no fim do dia, quem arque com os prejuízos seja o próprio contribuinte via impostos, juros ou inflação elevada; 2) indexar as flutuações cambiais ao preço do serviço, com a conta paga pelos usuários.

“Neste caso, há um grave problema, porque serviços que não são comercializados lá fora passam a ter seus preços flutuando em função da variação do câmbio. Você tem um cenário em que é obrigado a subir a taxa de juros no meio de uma recessão, para controlar preço via câmbio. Isso gera uma retroalimentação na política macroeconômica. Desvaloriza-se a moeda, há um impacto na inflação em diversos serviços públicos fundamentais (transporte, educação, saúde, saneamento)”, observa.

“É uma bomba-relógio. Temos histórias repetitivas de quantas vezes o país quebrou por tomar financiamento em moeda estrangeira em projetos com receita em moeda doméstica”.

Garantias cambiais ainda são uma incógnita
Em contrariedade à interpretação de que os riscos cambiais também poderem ser incorporados por tais garantias mencionadas em lei, o advogado Bruno Furiati, sócio do Sampaio Ferraz Advogados e especialista em Direito Societário, entende que seriam necessárias alterações adicionais no texto para que tal interpretação pudesse ser adotada. Ele lembra também que ainda seria preciso observar como se comportarão os próprios bancos públicos no estabelecimento das regras para essas operações.

O governo já tem uma proposta de proteção cambial para minimizar o risco cambial para investidores estrangeiros em concessões de infraestrutura. No caso do setor aéreo, a ideia seria oferecer uma espécie de “seguro cambial”, com o governo abrindo mão de engordar o caixa do Fundo Nacional de Aviação Civil em caso de desvalorizações abruptas do real. A ideia seria permitir que empresas vencedoras das licitações possam aproveitar o ambiente de juros baixos no exterior para captar recursos baratos e mitigar preocupações com flutuações da moeda brasileira.

Pechinchas tupiniquins
Embora ainda haja indefinições sobre a natureza das garantias a serem oferecidas, a percepção de vulnerabilidade das empresas brasileiras e vantagens competitivas às estrangeiras persiste.

“Houve toda uma discussão no passado sobre o papel do BNDES, principalmente no programa de privatizações de 1990. A crítica que se fazia era que o banco acabou financiando empresas, que teriam acesso a condições de crédito no mercado internacional, para adquirir esses ativos, sem estabelecer contrapartidas bem definidas”, lembra Rezende.

Da mesma forma, os últimos governos recebiam duros ataques por oferecer auxílio dos bancos públicos a grandes empresas nacionais, que também poderiam ter acesso a crédito de outras formas, em empreitadas até fora do país. Um dos casos mais emblemáticos envolveu empréstimo do BNDES para a construção do porto de Mariel, em Cuba. Dos US$ 957 milhões da obra, US$ 682 milhões foram financiados pelo banco público.

O caso atual seria uma inversão nessa prática, com o governo, no lugar de oferecer incentivos a empresas brasileiras no exterior, coloca os bancos públicos e o Tesouro Nacional como garantidores de grupos estrangeiros de determinados setores para investirem no Brasil. Na avaliação dos entrevistados por esta reportagem, a medida pode colocar as empresas nacionais em situação ainda mais delicada.

“O BNDES deixa de ser um banco que proporciona funding para proporcionar garantia. Durante muito tempo, escutamos diversos economistas dizerem que o mercado de capitais de longo prazo no Brasil não se desenvolve porque o BNDES ocupa todo esse espaço. Fato é que, de 2014 para cá, houve uma queda de quase R$ 100 bilhões na oferta de crédito do BNDES e nenhum banco privado ocupou esse espaço. Enquanto existirem taxas de juros nos patamares que temos e enquanto for possível comprar uma letra ou um título do Tesouro com a liquidez e a rentabilidade de hoje, dificilmente esses bancos comerciais vão migrar para projetos de longo prazo, com risco mais elevado”, afirma Galípolo.

“Atrair investidor estrangeiro é muito positivo, principalmente em setores que precisam dessa competição. O que se discute aqui é o que se acaba concedendo para que ele venha ao país. Se o governo oferece tantas garantias assim, acaba não sendo uma política de mercado, mas bem parecida com a política que se tinha até o momento. A única diferença agora é que você estimula empresas estrangeiras, já que as brasileiras estão em posição de balanço muito complicada”, analisa Rezende.

O economista lembra que parcela significativa das grandes empresas nacionais vive, além das consequências da crise econômica, os efeitos de operações como a Lava Jato. “O que se desenha hoje, dada a crise econômica, os balanços deteriorados das empresas e a Lava Jato, é que essas empresas ficarão de fora na rodada de leilões, concessões e privatizações. A expansão de mercado das empresas estrangeiras vai se dar no pior momento possível, no sentido em que não necessariamente se está colocando essas concessões em igualdade de oportunidade para a empresa nacional e para o investidor estrangeiro. Eles vão nadar de braçada. É como falamos aqui nos EUA, vai ser walk in the park, sunday walk”, prognosticou o economista.

Em outras conversas com este portal, Rezende alertava para uma situação em que a crise nos balanços empurraria as empresas brasileiras a uma onda de fusões e aquisições. Ele mantém a percepção e culpa os governos pela inação ante a crise das companhias. “Ou você adota políticas ou acaba entregando tudo para quem tem um balanço mais robusto. Sabendo disso, o investidor estrangeiro tem um poder de negociação muito forte com o governo brasileiro; ele pode exigir qualquer tipo de coisa para entrar no país. O governo está com a faca no pescoço. No mercado acionário, Warren Buffett costuma dizer: a hora de ir às compras é quando tem sangue nas ruas”.

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