As potencialidades econômicas do carvão gaúcho na matriz energética brasileira recrudesceram de forma consistente nos últimos meses. A possibilidade de retomada da produção mineral e da produção de energia térmica mobiliza desde já as forças produtivas, os políticos, as entidades e a sociedade do Estado, considerando que nada menos do que 90% das reservas brasileiras do mineral estão abaixo do Rio Mampituba. Diversos fatores colaboram para este novo momento, entre eles, o significativo crescimento da demanda de energia verificada no País nos últimos anos, e as novas tecnologias que reduzem os impactos ambientais a níveis internacionalmente aceitáveis, conforme diversos especialistas.
Neste cenário, o Sindicato dos Engenheiros, historicamente presente nos debates das soluções para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, incluiu o tema na sua pauta de ação, a partir da atuação do seu Conselho Técnico Consultivo. A complexidade da questão é diretamente proporcional ao grande potencial da atividade e, por isso, merece o máximo de reflexão. É notório o estigma que envolve o carvão como um vilão ambiental. Por mais de um século a imagem de rostos cobertos de cinzas, os problemas de saúde das populações próximas às jazidas e principalmente dos trabalhadores das minas, além da fumaça, contribuíram para a criação de um mito, que agora pode ser alterado graças à novas tecnologias empregadas tanto na mineração quanto na produção de energia. Também favorece o setor a existência de uma legislação ambiental cada vez mais eficiente.
Por outro lado, não são apenas as mineradoras e as companhias geradoras à carvão vislumbram novos tempos para o setor. No Rio Grande do Sul, é quase um consenso entre os empresários de que trata-se de uma necessidade estratégica para o setor industrial. Também para as contas públicas, visto que o Estado “importa” 65% da energia elétrica que consome. Concorre para isso o fato de que seria a fórmula mais rápida de aumento da oferta à economia gaúcha, reduzindo também o risco de apagões. A questão social também é importante, já que a construção de uma usina de 350MW gera até 6000 empregos e cerca de 300 na fase de operação, o que favoreceria bastante o desenvolvimento da chamada Metade Sul do Estado.
Por sua vez, movidos também pelas novas tecnologias e os riscos da energia nuclear após o acidente de Fukushima, os países europeus voltam-se novamente para o carvão. Mesmo com a falta de espaço para construção de novas usinas, investem no aumento da capacidade de produção das operações já instaladas. Vale lembrar que o crescimento da demanda de energia no planeta irá crescer 50% até 2035 e que 1/3 da atual matriz energética tem origem na queima do carvão mineral, que aumentou em 60% entre 2001 e 2011 (International Energy Outlook).
No cenário político, os compromissos brasileiros de redução das emissões de CO2 firmados em 2009 na Conferência de Copenhagem fizeram com que o Governo Federal excluísse o carvão dos leilões de energia. Posteriormente, o Planalto foi convencido da existência de folgas nas metas pactuadas, provocadas por projetos ancorados na queima de óleo combustível que não saíram do papel, abrindo novas possibilidades. A energia térmica então foi incluída nos leilões realizados nos últimos meses, porém as tarifas propostas pelo Governo não atraíram investidores.
Para aprofundarmos um pouco mais a discussão, apresentamos a seguir uma entrevista com o engenheiro Luiz Antonio Antoniazi membro do Conselho Técnico Consultivo do SENGE/RS e presidente da Fundação de Ciência e Tecnologia (CIENTEC), que acompanha de perto a questão no Estado e no País. Além da potencialidade energética, Antoniazzi destaca outras importantes possibilidades para o carvão gaúcho, riqueza comparada ao Pré-sal.
Com relação à potencialidade do carvão mineral e à concentração de quase a totalidade das reservas brasileiras no RS, poderíamos comparar a importância estratégica do carvão gaúcho ao pré-sal para as necessidades de energia do País?
Eu diria que no RS nós não temos um pré-sal, nós temos mais do que isso. O carvão mineral supera três vezes e meia as reservas brasileiras de petróleo. Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, em relatório de 2011, temos atualmente reservas de carvão da ordem de 7 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo, e nossas reservas de petróleo têm cerca de 2,02 bilhões de toneladas. Estes números tomam como referência pesquisas do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que há mais de 20 anos não faz mais prospecção, e diz que é necessário se aprofundar para detectar mais reservas de carvão. Portanto, temos aqui no RS vários pré-sais.
Por outro lado, o carvão que dispomos hoje, segundo estas estimativas em torno de 32 bilhões de toneladas, não é um carvão de alta qualidade como o encontrado na Europa e nos EUA. O carvão daqui tem um alto teor de cinzas, especialmente na faixa da Metade Sul, onde chega a 54% de cinzas, taxa esta que diminui à medida que se avança para o norte. Também tem alto teor de enxofre e umidade.
Esta é uma riqueza fantástica, mas tem que ser racionalmente explorada, utilizando tecnologia adequada, como foi feito em países da Europa e nos EUA. Hoje dispomos de tecnologia desenvolvida pela CIENTEC adaptada à realidade do nosso carvão, em processos de combustão em Leito Fluidizado Borbulhante e Leito Circulante, que aumentam a eficiência energética e minimizam o impacto ambiental de emissões de compostos nitrosos e sulfurosos. Além do aproveitamento dos resíduos, para a fabricação de materiais para construção civil.
E mesmo com reservas abundantes, as potencialidades do carvão gaúcho têm dificuldades de decolar, vide os resultados do último leilão A-5 em agosto que não atraiu o interesse dos investidores. Na sua opinião, como poderiam ser contornadas essa dificuldades para que o mineral amplie sua participação na matriz energética?
Antes de mais nada, a questão energética, onde se inclui o carvão, é uma questão política, de planejamento estratégico para que se defina para onde queremos caminhar nos próximos anos. Além disso, é também uma questão tecnológica, principalmente devido às restrições ambientais que têm o carvão, barreiras para as quais existem tecnologia e capacidade de criação suficientes para superar.
O petróleo brasileiro também não é o melhor do mundo por ter baixo índice de nafta, ficando bem abaixo do petróleo do mar do norte ou dos países do Oriente Médio, ou ainda da Venezuela. No entanto, veja a riqueza e o que representa o petróleo em nosso país. A mesma coisa é o carvão, basta termos como objetivo investir em tecnologia, em desenvolvimento de equipamentos para serem disponibilizados em novas termelétricas. Por outro lado, é preciso uma política de incentivos do governo para financiamento desses empreendimentos tecnológicos e uma política de preços de compra compatíveis no mercado regular.
Com relação ao aumento da participação do carvão na matriz energética, estou otimista com relação ao próximo leilão de energia que deve ocorrer em dezembro. No último leilão realizado em agosto, havia projetos para serem implementados no RS, mas o preço oferecido era muito baixo, ficando em R$140 por megawatt-hora (MWh). A perspectiva é que no próximo certame esse preço suba para algo em torno de R$170 a 180 por MWh e então possa atrair investidores. Já existem projetos prontos para serem apresentados, como a UTE Seival e UTE Sul (Candiota) e CTSul (Cachoeira do Sul), investimentos estes que envolvem cerca de R$8 bilhões.
Até que ponto a posição da presidente Dilma Roussef favorece a participação do carvão na matriz energética? Não seria a primeira vez que haveria falta de consenso entre ministérios e órgãos do Governo Federal, certo?
O fato do carvão ter sido incluído no leilão A-5 realizado em agosto, mesmo que não tenha sido bem sucedido, já demonstra uma preocupação da presidente sobre a necessidade deste combustível fazer parte da matriz energética. Se no próximo leilão forem sinalizados valores atraentes para os investidores, o governo federal demonstrará que realmente mudou sua postura e irá apoiar o desenvolvimento deste setor.
Não são apenas as mineradoras e empresas de energia que são favoráveis ao aumento da utilização do carvão. O setor empresarial também vê com bons olhos pela necessidade de oferta de energia. Como a sociedade gaúcha se posiciona frente à questão?
O que se assistiu ao longo desses últimos dois anos foi uma verdadeira mobilização de parte da sociedade, dos setores mineradores, onde se incluem a população das regiões carboníferas, mineiros, sindicatos e empregados envolvidos na exploração, o setor público e o parlamento gaúcho através da Frente Parlamentar em Defesa do Carvão Gaúcho, criada em 2011 na Assembleia Legislativa. O Congresso também tem a Frente Mista de Defesa do Carvão, que teve um papel importante nesse processo. A sociedade civil se mobilizou para a questão, puxada pelos sindicatos dos trabalhadores da mineração e o patronal, pela FIERGS e pelo governo do Estado. Essa união com certeza irá ajudar no sucesso do próximo leilão de energia.
Além da geração de energia elétrica, o carvão mineral pode participar de outras frentes de mercado igualmente importantes para o desenvolvimento nacional. Quais perspectivas de uso concreto deste combustível fóssil podem destacadas?
Hoje o carvão mineral é considerado a grande solução energética para o nosso Estado, levando-se em conta que importa 65% da energia elétrica que consome. Em curto prazo, este é o passo mais próximo de ser concretizado com a implementação de termelétricas no Estado. Mas ainda existem perspectivas de buscar novas formas de exploração com maior valor agregado, como por exemplo, a carboquímica e o carvão siderúrgico.
No uso do carvão para geração elétrica, para cada R$1 investido na ponta inicial da cadeia produtiva são obtidos R$3 na ponta final. Já na indústria carboquímica, essa relação aumenta de R$1 para R$23, o que demonstra que este processo tem um valor agregado muito maior, ainda que a geração de energia elétrica seja altamente estratégica para o desenvolvimento do País.
Até 1990 havia uma legislação federal que exigia que 20% do carvão usado em siderurgia fosse nacional. O Estado de Santa Catarina era um grande fornecedor deste mercado, mas durante a década de 90 essa exigência caiu e o Brasil passou a importar 100% do carvão siderúrgico. Isso significa que hoje importamos cerca de 18 milhões de toneladas vindas da Rússia, Indonésia, Estados Unidos, África do Sul, Austrália, Colômbia e Venezuela, o que representa aproximadamente um custo de US$ 5 bilhões ao ano.
Esta é uma outra perspectiva concreta para o mineral que depende de questões tecnológicas e de uma política de retomada do governo federal. No passado, foi necessária a adaptação dos processos siderúrgicos para aceitar a mistura desses 20% de carvão nacional com o importado, e era possível produzir aço de excelente qualidade. A perspectiva não é de substituir a totalidade do carvão importado, mas de utilizar uma parcela de carvão nacional na composição com o carvão importado, inclusive com a possibilidade de introduzir biomassa nesta composição, visando à redução das emissões.
Outra perspectiva é a carboquímica. Temos polos na Europa, China, Estados Unidos, Canadá, onde se pode reproduzir na indústria carboquímica tudo o que se tem na petroquímica, desde metanol, hidrogênio, polímeros, fertilizantes, olefinas até alguns fármacos. Isso é possível porque o carvão e o petróleo são hidrocarbonetos cuja diferença é o número de hidrogênios conectados na molécula do carbono. A CIENTEC, em conjunto com o Departamento de Engenharia Química da UFRGS, teve um projeto aprovado em torno de R$2,5 milhões, com financiamento do CNPq, para trabalhar o viés carboquímico dos carvões do RS obtendo gás de síntese, e deste metanol.
Estas três perspectivas (geração de energia, siderurgia e carboquímica) são as grandes aplicações do carvão e todas requerem tecnologia que atenda às premissas da viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental, caminhando sempre na direção das CCTs (Clean Coal Technologies).
Do ponto de vista ambiental as chamadas novas tecnologias são suficientes para diminuir de fato os impactos e o estigma provocados pela queima do carvão?
Todos nós na CIENTEC temos a absoluta convicção de que o nosso futuro está sendo escrito agora e de que ele não se sustenta sem energia. Temos que buscar investimentos em energia eólica, solar, hidrelétrica e outras fontes renováveis, mas temos também que explorar o carvão mineral. Deixar de lado uma riqueza como essa é limitar o nosso desenvolvimento por questões que muitas vezes vêm da incompreensão do que hoje ocorre no mundo, principalmente na área da tecnologia, e de uma visão preconceituosa. Hoje já existe tecnologia para oferecer no mercado soluções de exploração do carvão para energia elétrica atendendo às legislações mais rigorosas do mundo, inclusive na questão dos metais pesados.
O controle das emissões de materiais particulados (cinzas leves) e gasosos (NOx e SOx) é possível graças a tecnologias disponíveis hoje no mercado utilizando processos de dessulfuração, filtros de mangas e precipitadores eletrostáticos, além da utilização de tecnologias de conversão de alta eficiência energética e baixas emissões, como leito fluidizado ou leito pulverizado supercrítico . Os resíduos sólidos podem ser transformados em materiais para construção civil, como tijolos, argamassas, pavimentação e gesso.
Dentro da cidade de Berlim foi construída uma termelétrica em 1927, depois ampliada chegando a capacidade de 288 MW. Com a II Guerra Mundial, a usina foi parcialmente destruída. Na separação das Alemanhas, ela ficou na parte Oriental e foi reconstruída com a tecnologia da época. Mais tarde, na reunificação, os ecologistas e o Partido Verde alemão questionaram se a termelétrica não deveria se transformar em um centro cultural. Houve um grande debate e a conclusão foi de que ela continuaria gerando energia dentro da cidade, mas seria transformada para atender a legislação ambiental. A termelétrica está operando em Berlim até hoje, e no seu entorno há fruteiras e plantação de hortaliças.
Quando se debate este assunto, uma das questões que deve ser considerada é de que países como Alemanha, Japão, Espanha, Canadá e Estados Unidos possuem uma legislação ambiental rigorosa e, no entando, a base energética é o carvão mineral. Cerca de 42% da geração elétrica mundial é a partir deste combustível e continua aumentando. A estimativa é de que a partir de 2017 o carvão mineral se iguale ao petróleo, como principal fonte energética no mundo. Na Alemanha 41% da geração elétrica é a partir do carvão, nos Estados Unidos 49 %, em Israel 63%, na China 79%, na Índia 68% e no Brasil apenas 1,6%. O Brasil possui a 14ª maior reserva de carvão, mas ocupa a 26ª posição na produção deste mineral, ao contrário dos outros 13 países que estão na sua frente em quantidade de reservas e que também são os maiores produtores. O Brasil hoje importa 75% do carvão consumido no país.
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