19/02/2021

Entrevista – Engenharia no enfrentamento da pandemia

 

“O engenheiro é um solucionador”. É como define a profissão Fernando Soares de Lima, gestor do Laboratório de Química e Manufaturados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo. A equipe, liderada por esse engenheiro de produção, atuou ativamente na busca por soluções em projetos de combate ao novo coronavírus. 

“Começamos a verificar algumas deficiências no mercado, alguns problemas que poderiam acontecer. Um deles foi a questão das máscaras”, ele conta nesta entrevista ao Jornal do Engenheiro. Segundo Lima, com a alta demanda, muitas empresas passaram a produzi-las, mas nem todos os testes necessários para garantir a segurança e eficiência do produto eram feitos no Brasil. 

A partir dessa constatação, o IPT buscou especializar-se no assunto, e o laboratório desenvolveu ensaios para testar eficiência de filtragem de partículas, repelência a fluídos e respirabilidade de máscaras cirúrgicas, de acordo com parâmetros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com o know how técnico do instituto, muitos outros projetos foram viabilizados, mostrando, como aborda Lima nesta entrevista, a importância do investimento em ciência, pesquisa, engenharia e tecnologia nacionais. 

Um dos primeiros projetos de apoio ao enfrentamento da pandemia com qual o laboratório teve envolvimento foi de produção de máscaras da Fundação Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap). Como foi essa experiência? 

O IPT presta apoio técnico para empresas e instituições públicas, atua como um braço tecnológico do Estado. No início da pandemia já tinha uma ameaça da falta de materiais, de respiradores. Em alguns países em que a doença há mais tempo avançava, havia esses sinais. Nesse contexto, começamos a verificar algumas deficiências no mercado, alguns problemas que poderiam acontecer. Um deles foi a questão das máscaras. Nos debruçamos sobre o assunto. Na mesma época, tivemos contato com o pessoal da Funap, que estava iniciando com os reeducandos o projeto de produção de máscaras do tipo cirúrgica e de uso social, que são as de tecido. Eles precisavam de apoio técnico, principalmente com quesitos sanitários, para a produção dentro das normas necessárias. Entramos nessa parceria, atuamos na avaliação e adequação dos produtos. Foram produzidas mais de 5 milhões de máscaras, disponibilizadas para o próprio corpo policial e para hospitais. Nesse mesmo período, começamos um trabalho específico de estudos sobre avaliações das máscaras do tipo cirúrgica. 

Qual a diferença da máscara cirúrgica para as demais utilizadas nos hospitais, como a N95? 

Existem três principais máscaras que se destacaram no mercado. A do tipo N95, que ficou bastante popular durante a pandemia, foi desenvolvida para atender principalmente o ambiente industrial. Não foi desenvolvida para o ambiente médico. Mas por ter uma existência de filtração muito boa e proporcionar uma boa respirabilidade, foi adotada pelo pessoal da área médica quando ainda no surto da H1N1. Outra que se destaca é a do tipo cirúrgica. Essa já é uma máscara específica para o pessoal da área médica, que tem uma existência de filtração bastante elevada porque, além de proteger de substâncias dispersas no ar que podem ser exaladas ou inaladas, também protege de partículas de qualquer tamanho que possam contaminar o médico ou o paciente. E, por fim, temos o face shield, o protetor facial. 

Vocês já tinham o conhecimento necessário sobre as máscaras, protocolos e normas de adequação? 

Como nosso laboratório trabalha com equipamentos de proteção, temos a expertise na avaliação desse tipo de produto, suas propriedades e particularidades que devem ser atendidas. E muitas empresas procuraram o IPT para ter esse apoio técnico. Em casos de doações para hospitais, o instituto fez esse trabalho de forma gratuita. Além disso, prestamos serviços de testes de qualidade de luvas, aventais, toucas e outros materiais que são muito utilizados durante a pandemia. 

A partir desse conhecimento e atuações que conseguiram viabilizar os ensaios das máscaras cirúrgicas que não eram feitos no Brasil? 

Muitas empresas queriam fazer as máscaras [cirúrgicas], mas não possuíam conhecimento técnico. Empresas de pequeno porte viram nessa produção uma oportunidade de vencer a crise e também contribuir, porque foi um item que ficou escasso; hoje está mais equilibrado, mas ainda é muito necessário no combate à Covid-19. Mas no Brasil não tinha quem fizesse todas as avaliações desse tipo de material. Tinha um único laboratório nos Estados Unidos, que era o mais requisitado para esses testes. Foi aí que nos capacitamos, criamos as análises de acordo com a norma (NBR 15052, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT) e demos condições às empresas nacionais conseguirem fazer tudo isso no Brasil. O que facilita por questão de tempo, comunicação e valor; considerando o dólar, ficava muito caro. Os ensaios foram desenvolvidos em cerca de dois meses, testam eficiência de filtração, respirabilidade e repelência a fluídos.    

Quais outra vantagens de desenvolver esses testes aqui no País? 

Foi colocado em questão a dependência de um único país ou um único local para ser fornecedor de produtos e serviços. Eu percebi que algumas empresas começaram a nacionalizar coisas que antes terceirizavam, que só traziam o produto pronto. Um dos casos foi o das máscaras cirúrgicas. As empresas começaram a ver novamente o benefício de ter uma produção nacional. Foi uma evolução, porque tudo é feito no Brasil, produção, avaliação. E tudo isso olhando para o contexto brasileiro, adequado à nossa realidade, às nossas necessidades. E com isso veio a vantagem de valorizar a produção nacional. Durante a pandemia, tivemos que aprender muita coisa em pouco tempo. A exemplo das vacinas, que estão tendo tempo recorde de liberação, coisa que antigamente levava muitos anos. Temos que usar toda tecnologia disponível em favor do bem-estar das pessoas, da qualidade de vida. Eu espero que a gente consiga carregar esse aprendizado, essa bagagem, todo esse conhecimento, e use em benefício de todos. 

Nesse sentido, como o senhor vê a engenharia presente nos projetos de enfrentamento da pandemia? 

Quando você se forma engenheiro, independentemente da área de atuação, desenvolve uma forte análise crítica das situações. Temos que procurar antever algum problema. O engenheiro é um solucionador. Este é o papel da engenharia, é uma área de conhecimento que tem foco na solução de problemas, que contribui a todas as questões. A pesquisa, a ciência e tecnologia são bastante importantes. Num momento de crise, fica muito evidente o quão importante é a tecnologia estar disponível para a sociedade, que tem por trás a pesquisa, o desenvolvimento, os engenheiros. O fomento à pesquisa é importante, em qualquer área. E estamos vendo as instituições que têm esse fomento se destacando, o Instituto Butantan, a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], a própria Anvisa. Nem sempre a pesquisa é de interesse imediato do mercado, por isso o apoio público é importante, uma parceria público-privada… Hoje estamos falando de uma pandemia, mas isso vale para um problema médico, social ou de qualquer outro tipo. A solução virá de uma pesquisa. 

Em quais outros projetos de combate ao coronavírus o IPT teve atuação? 

Algumas instituições nos procuraram para estudos com a luz ultravioleta do tipo C (UV-C), que tem uma ação contra micro-organismos, algo da década de 1930, mas que foi deixado de lado pelo uso dos saneantes e voltou a ter destaque por ser eficaz desinfetante sem a via úmida. Ajudamos a Secretaria de Transportes a validar os métodos utilizando o ultravioleta C para descontaminar os transportes públicos. O instituto ainda contribuiu testando eficácia virucida em tecidos que seriam utilizados também em transportes públicos. Atuamos na validação de respiradores e, no começo, na parte de informática do monitoramento do isolamento social da população, realizado pelo Governo do Estado. 

Jéssica Silva
Entrevista publicada originalmente na edição 539 do Jornal do Engenheiro, de fevereiro de 2021. 

 

 

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