Por
FLÁVIO TAVARES
Jornalista e escritor

O governador Sartori não se ofenda por dele discordar, mas a culpa não é dos macacos. Os micos têm rabo longo mas não são ladrões. Pegam uma bananinha aqui ou ali, mas alegram crianças e adultos. Nem as cobras têm culpa. E são mais de quatrocentas, todas peçonhentas e nojentas, enroscando-se uma na outra, fornicando e procriando à nossa frente sem pudor nem compromisso com a castidade. É a diversidade, governador. Os tempos atuais já não exigem beijar no escuro, quanto mais que cobra frequente motel.

O serpentário da Fundação Zoobotânica salva vidas com o soro antiofídico, governador. Quem não foi mordido por cobra, não sabe da penúria de ter a respiração ofegante e o olhar enrijecido avistando a morte. O povo diz que política é ninho de cobra e, por isto, governador, cuide-se de outras serpentes, das falantes e aduladoras, com CPF e título de eleitor. Os bichos não fazem a penúria do Estado. É balela, governador. O pescoção da girafa e a tromba do elefante não agridem ninguém. A casa do joão-de-barro no poste do zoológico não tem alvará da Prefeitura de Sapucaia, mas supera as normas de construção. O canto do sabiá e das aves que voam por lá não cala a gaita do Borghetinho nem a voz do João de Almeida Neto. O Rio Grande não perde, só ganha ao conhecer sua natureza! Não faça dos bichos bodes expiatórios, governador. Nem trate a natureza como desprezível esquisitice. Volte aos tempos do seminário, leia a última encíclica do papa Francisco e medite. Quando o grande desafio do Século 21 é a defesa do meio ambiente, extinguir a Fundação Zoobotânica (como quer o governador) é viajar no absurdo da contramão. E se, nas crises do petróleo dos anos 1970-80, a solução fosse extinguir os motores e voltar à carroça?

Em vez de extinta, a Fundação deve ter mais atribuições. Ser reformulada para que biólogos, botânicos e zoólogos decidam sobre a preservação dos mananciais e da biodiversidade, e não os burocratas que a politicalha põe a assinar papéis em secretarias ou onde for. Cientista não cultiva propina, ama a ciência, e os gastos não iriam além dos ínfimos 0,045% com que a Fundação onera hoje o orçamento do Estado. A não ser que o governador tenha sabido do Tio Patinhas a mágica de transformar migalha em ouro…Lotear e vender os 39 hectares do Jardim Botânico vai remunerar por longo tempo aquela atendente de telefone num gabinete da Assembleia que, por três horas de expediente, percebe sete vezes mais que uma professora. Mas a muralha de prédios tapará o céu e tudo será sombrio.

E o Zoológico em Sapucaia, joia de 900 hectares? Em 1960, João Caruso, secretário de Obras do governo Brizola, ideou o Zoo (inaugurado em 1962) como braço educacional e a Comissão de Prédios Escolares o construiu. Hoje, pensarão num “shopping” junto à cova dos leões?

“Salvar o Estado” com mais impostos a quem produz é matar o enfermo com a cura. O bicho é outro _ a burocracia inútil e improdutiva, o desdém pelo que é público. E os ladrões de sempre. Por que não tentar recuperar os R$ 800 milhões (em valores atuais) roubados à CEEE no governo Pedro Simon, de 1987 a 89, num conluio entre funcionários e grandes empresas daqui e de fora? O processo, nunca julgado, dorme nas gavetas da Vara da Fazenda e prescreverá em breve. O mentor do assalto (caxiense como o governador) foi morto, mas uma dezena de réus vivem. Há precedentes. Dias atrás, o ex-presidente e dois diretores do Banco Central no governo Fernando Henrique, e os donos do banco atacadista Fonte Cindam foram condenados a devolver à União R$ 522 milhões de 1999, que chegam a R$ 3,7 bilhões corrigidos a 2015. E se o governador deixar a natureza e os bichos em paz e tentar recuperar o que levaram da CEEE?