Decisões liminares do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas do Estado impedem a assinatura final do contrato de alienação de ações, ao passo que resultados econômicos mais recentes da Companhia seguem confirmando o subdimensionamento do ‘valuation’ utilizado no leilão.

Enquanto a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN segue batendo recordes em seus resultados trimestrais (apresentando os dois melhores resultados de toda sua história nos dois últimos trimestres divulgados), o Estado insiste na conclusão da venda das ações ao Grupo AEGEA, vencedor (com ágio de 1,15%) da sessão de leilão havida no último dezembro, que considerou números de março de 2022 para precificar a Companhia.

A constatada melhora nos resultados da Companhia, porém, nada tem a ver com sorte, acaso ou predestinação à aquisição de uma empresa que se tornaria cada vez mais atrativa. Fatores essenciais à melhora dos números da CORSAN nos últimos trimestres já eram bem conhecidos há longa data, embora seu impacto econômico-financeiro tenha se verificado apenas mais recentemente (após a conclusão dos estudos de precificação pelo Estado). Exemplos disso são: o reajuste tarifário, vigente a partir de julho de 2022, impondo aumentos significativos de receita, que haviam sido suspensos/represados durante a pandemia de COVID-19; e a migração da CORSAN para o ambiente de contratação livre de energia elétrica, reduzindo despesas com este insumo.

A melhora nos resultados da Companhia (com aumento de EBITDA de 109% do 3T21 para o 3T22) impressiona, mas certamente não surpreende aqueles que conheciam os bastidores da operação. A empreitada se iniciou ainda em 2021, sob a roupagem de uma inédita, ousada e até hoje pouquíssimo esclarecida tentativa de desestatização por meio de abertura de capital em bolsa de valores (initial public offering – IPO), na qual se manteria posição de destaque ao Estado no quadro social.

Frustrado e abandonado o IPO em julho de 2022, o Estado achou por bem reciclar a avaliação econômico-financeira do modelo e período anterior. Foi no contexto desse arremedo de operação, praticamente um ano após o encerramento da avaliação econômica da Companhia, que o Consórcio AEGEA sagrou-se vencedor do leilão de alienação integral de ações.

Como único participante do certame, o Consórcio arrematante não derrotou qualquer concorrente, mas tudo aponta a uma gravíssima perda por parte erário gaúcho, que – caso superados os entraves jurídicos à operação – pode amargar prejuízo bilionário em virtude da venda de ativo cuja avaliação estava defasada e subdimensionada.

Já diante do novo recorde de resultado trimestral verificado no 4T22, a dimensão do prejuízo ao patrimônio público (em caso de conclusão da operação) foi analisada pelo economista e professor André Locatelli, a partir de demanda do Sindicato dos Engenheiros, que já havia sido responsável pela análise da operação à luz do 3T22. O novo exame técnico dos números da CORSAN (que, tal como seu antecessor, foi veiculado perante as autoridades julgadoras) confirmou a defasagem na avaliação econômico-financeira que embasou o leilão da CORSAN, reforçando a conclusão pelo potencial prejuízo ao erário público na hipótese de sucesso da operação nos moldes atuais.