Assis Moreira
Valor Econômico – (06/03/2012)
Havia expectativas de a presidente Dilma Rousseff mencionar ontem o excesso de liquidez dos países ricos e os efeitos negativos sobre os emergentes, em discurso em Hannover para centenas de empresários. Mas foi a chanceler alemã, Angela Merkel, depois de ouvir Dilma só falar de tecnologia da informação, quem abordou o tema e alfinetou indiretamente o Brasil por protecionismo comercial. A presidente foi a Hannover para abrir a maior feira de telecomunicações do mundo depois de fazer ataques ao que chamou de "tsunami monetário" dos países ricos, considerado uma das razões da excessiva valorização do real.
Em rápida entrevista a jornalistas logo cedo, Dilma Rousseff reclamou que a gigantesca liquidez dos bancos centrais dos países desenvolvidos tem efeito internacional. "Como o mundo é globalizado, quando você tem um nível de expansão desses, se produz dois efeitos: um é a desvalorização artificial da moeda. O outro problema sério é que cria uma massa monetária que não vai para a economia real. O que se produz? Bolha. Bolha, especulação."
Conforme a presidente, a "desvalorização artificial" das moedas tem o efeito "de uma barreira tarifária, todo mundo se queixa de barreira tarifária, de protecionismo". E repetiu que não estava falando sozinha, que todos os emergentes reclamam também, assim como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Compensações (BIS).
Mais tarde, ao receber mais de 30 empresários brasileiros, a presidente voltou a alvejar a manipulação cambial de parceiros, conforme o relato do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. "De nosso lado, reclamamos que o câmbio está prejudicando muito a indústria brasileira, que penaliza as exportações e facilita as importações, ela concorda plenamente, mas não apresentou soluções, mas fez declarações muito fortes sobre manipulação cambial", contou.
Na noite anterior, o assessor Marco Aurélio Garcia chegou a dizer que Dilma abordaria o "tsunami monetário" no seu discurso e seria mais incisiva na conversa privada com Merkel. Foi nesse cenário que uma enorme expectativa se criou, inclusive do lado alemão.
Na cerimônia de abertura da feira, porém, a presidente concentrou-se em ciência e tecnologia, elogiou a expansão econômica e conclamou os empresários a aproveitar as oportunidades no país.
Logo em seguida a chanceler alemã, Angela Merkel, subiu ao palco, fez a introdução diplomática, mostrando-se "muito impressionada com o que o Brasil conseguiu na economia", e mencionou o a crise europeia. "Vamos discutir sobre crise financeira global, que continua nos preocupando", disse. "A presidente manifestou preocupação sobre o tsnumani de liquidez quando olha para os EUA, para a União Europeia. Nós também olhamos para medidas protecionistas unilaterais", acrescentou.
A afirmação de Merkel foi entendida como uma referência às críticas persistentes dos parceiros e do próprio diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) de que o Brasil passou a adotar medidas que vão além das regras internacionais, como o aumento do IPI sobre carros importados. EUA, União Europeia, Japão, Coreia do Sul e vários outros parceiros questionaram o Brasil em comitês da OMC, mas ainda não abriram disputa contra o país.
No fim da noite, de volta do jantar de Dilma com Merkel, indagado sobre a menção de protecionismo feita pela líder alemã, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, retrucou: "Amanhã a presidente dará seu recado. Preparem-se."
Segundo uma fonte da delegação brasileira, durante a viagem de Brasília a Hannover uma questão foi sobre qual seria um instrumento eficaz no momento para conter a alta do real. O ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, mostrou uma tabela apontando que o dólar deveria estar valendo R$ 2,50, levando em conta a inflação brasileira e americana desde o período que as duas moedas tiveram paridade no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Na conversa com jornalistas, a presidente avisou que o Brasil "como economia soberana, tomará todas as medidas plausíveis" para conter o problema cambial. Mas reagiu quando foi indagada sobre quarentena para conter a entrada de capital externo no país. "Quarentena é uma temeridade", disse, rechaçando esse tipo de medida. "Quem está falando de quarentena é você, não estou defendendo quarentena", disse.
Algumas fontes insistem, porém, que a imposição de prazo de permanência de dois anos, com sobretaxa diferenciada conforme o prazo de saída do capital antes disso, poderia ser uma alternativa. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem se mostrado contrário à quarentena.
Depois de ter preferido deixar para falar sozinha com Merkel sobre câmbio, a presidente ouviu a líder europeia usar o lema "gerir a confiança", que dá o tom do encontro, para dizer que a confiança é o caminho também no G-20, o grupo de ricos e emergentes, para sair da crise. "Temos que olhar para além de nossas fronteiras sobre as consequências da crise internacional."
Falou da crise do endividamento europeu – "entramos numa crise delicada -, defendeu a austeridade fiscal, algo que Dilma reclama da Europa, e terminou fazendo uma ardorosa defesa da zona do euro. "Não há alternativa a zona do euro, temos que desenvolvê-la, criar uma situação estável, cumprir as regras e ter confiança de que haverá mecanismos de solidariedade para solucionar os problemas", afirmou.
Certas fontes acreditam que a Alemanha vai enfim se dobrar à pressão internacional e aceitar a ampliação do fundo de socorro financeiro europeu, dos € 500 bilhões atuais para mais de € 700 bilhões. A Alemanha sozinha deve dar garantia de € 280 bilhões para o novo fundo.
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