(*) Adão Villaverde
Esta reflexão busca se aproximar de algumas respostas às questões que nos rondam, sobretudo enquanto Nação, neste campo da cadeia de manufatura da indústria de semicondutores. Tentando examiná-las ou desenvolvê-las de forma totalizante e abrangente, tanto do ponto de vista de uma contextualização global, como também localmente o tema. E com premissas e uma metodologia que creio, ajude a melhor situá-lo, de forma a contribuir organizadamente na sua compreensão e, nas decorrências, que delas devem ser tiradas. E por tratar-se, evidentemente de um tema de caráter bastante técnico, tento aqui, escrever o artigo não só para leitores convertidos no assunto, mas sim também, para leigos.
Primeiro se necessita compreender a conjuntura global do tema semicondutores (SemiCon) e sua cadeia de suprimentos, para depois vermos como isto rebate em países ou regiões como a nossa.
A indústria de SemiCon, é uma das cadeias produtivas e de suprimentos mais dinâmicas e relevantes na era que vivemos, tanto no campo da economia, como da autonomia científico-técnica, mas também, na estratégia geopolítica soberana global. Os dispositivos microeletrônicos por ela produzidos, que são compostos por uma infinidade componentes elétricos e lógicos, que quando conectados, executam funções requisitadas, que têm a capacidade de armazenar, mover, processar e enviar dados como nunca antes se viu na história da humanidade, são imprescindíveis no nosso tempo. Eles interferem desde no modo de vida das nossas relações cotidianas em sociedade, passando pelo trabalho, pelas empresas, pelo mundo dos negócios, na saúde, educação, segurança e, praticamente, em todas as questões atinentes a vida moderna. São o 4º produto mais comercializado no mundo, depois do petróleo bruto, do refinado e dos automóveis, sendo absolutamente estruturante para estes três.
Aparte isto, em 2024, seu mercado foi na casa de US$ 656 bi, projetando atingir valores na ordem de US$ 1,3 tri, até o final desta década, segundo a consultora McKinsey & Company. É este alcance e esta dimensão e não o inverso, que produzem a batalha por esta tecnologia que move o mundo hoje, que foi tão bem narrada na indispensável obra Chips War, de Chris Miller, para se compreender nos nossos dias, como esta tecnologia afeta nossa vida cotidiana, mas também, a economia, a política, o mundo que conhecemos e até aquele que ainda está no porvir. Mas é por tudo isto, mas também por business, por autonomia científico-técnica e por estratégia de geopolítica, que USA e China, reservam nos seus principais instrumentos de financiamento, valores na ordem de US$280 bi e US$1,4 tri respectivamente, para investimentos no setor até o fim da década.
Mas esta demanda toda nos dias de hoje, por este dispositivo e pelos ativos intangíveis do conhecimento, do saber, do seu domínio e da sua expertise em manufaturá-lo, que o cercam, também foram catalisadas pelas recentes tragédia pandêmica, pela guerra nos países do leste, pela falta destes dispositivos que levou a paralisação ou fechamento de indústrias, a crise climática, as exigências de descarbonização, a incontornável necessidade da transição energética e outros fenômenos (des)naturais, tal como, o que nós vivemos há exatamente um ano, em solo riograndense, que foi uma enchente absolutamente avassaladora.
É neste contexto que a conjuntura global do setor dá sinais de alteração de forma significativa, aumenta o movimento para a desconcentração desta manufatura fabril dos países do Pacífico do Leste, que hoje concentram quase que 80% dela, daquilo que se chama de Front End (fabricação); expande-se também por várias regiões globais as nominadas Design houses, que desenvolvem projetos de circuitos integrados; bem como outra fase importante desta cadeia de suprimentos, nominada de Back End, que faz encapsulamento e testes. E mais, o movimento de desconcentração passa a ser real. Muitas destas três etapas fundamentais da cadeia de SemiCon, e particularmente a de manufatura, começam a procurar regiões para se instalarem. Ainda que exemplos possam ser reducionistas, vamos referir duas iniciativas que já estão em curso:
Portanto é deste cenário, que qualquer análise ou avaliação de uma política de apoio aos SemiCon no Brasil ou na América Latina deve partir, e não de perquirições apegadas a caracterizações de outrora, totalmente superadas. Onde muitas vezes as bases reais de potencial de mercado, de soberania científica e mesmo de geopolítica, são desprovidas de consistentes evidências científicas, técnicas e econômicas. Indo pelo caminho mais curto e equivocado do “achismo”, renunciando uma conduta que seria a aconselhável, qual seja, a de tomar decisões em fortes e consistentes evidências e critérios absolutamente rigorosos.
Uma das questões que sempre é feita para nós, é “o que falta de Programas Federais para apoio real à indústria de SemiCon”?
O Brasil, ainda que não esteja entre os países referentes na indústria destes dispositivos, não está começando hoje no tema. Na última quarta parte do Século XX, quando sequer a Coréia do Sul pensava em produzir, nós já tínhamos capacidade para tal. O próprio RS, é uma região com muita massa crítica e inteligência na área, reconhecida como um polo de microeletrônica. Com a reserva de mercado estabelecida no final de 1970, país foi então estimulado a produzir computadores de pequeno porte. O Estado se tornou uma espécie de um nicho acadêmico-empresarial, onde poderíamos citar a EDISA, a Digitel e a Altus.
Esta inteligência se somou com outros Estados como SP, por exemplo e, com os instrumentos nacionais que foram sendo desenvolvidos, como a Lei de Informática, que buscava capacitar e dar competitividade ao setor, fazendo país dar primeiros passos no tema, associou-se a dois marcos, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, que foram fundamentais para darmos mais alguns passos: o estudo feito pelo BNDES sobre a cadeia produtiva do setor e, o Programa Nacional de Microeletrônica -PNM-, desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia -MCT- à época. Que junto com um programa chamado Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior –PITCE-, pavimentaram caminho para a fábrica de solução completa, CEITEC, no RS, no final da primeira década deste século.
Estes instrumentos foram associados ao CI Brasil, para o setor de microeletrônica; ao PADIS de apoio ao desenvolvimento industrial de SemiCon, juntos com iniciativas subsequentes como a Política de desenvolvimento Produtivo –PDP- e o Plano Brasil Maior -PBM-, que reforçados pela Lei de Inovação, em 2024, foram decisivos para avançarmos em ferramentas institucionais de apoio ao setor.
E mais recentemente, tivemos a consolidação e aprovação no Congresso do novo PADIS e o lançamento do Programa Brasil SemiCon, bem como na V Conferência Nacional de CT&I o anúncio do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial –IA-, com ações para o desenvolvimento e produção de chips no Brasil. E mais ainda, associa-se a tudo isto, as ações da Nova Indústria Brasil –NIB-, que já estão em curso, e que teem três eixos que dialogam, apoiam e fomentam a cadeia de SemiCon, quais sejam: a Missão 4, nominada de “Transformação Digital”; a Missão 5 “Bioeconomia, Descarbonização, Transição e Segurança Energética” e, por fim, a Missão 6, que refiro como de “Tecnologias Convenientes para a Soberania e Defesa da Nação”. E temos também em solo riograndense, a fundamental iniciática estadual do “Programa Semicondutores RS”. Instrumentos estes, que todos juntos, são reveladores de que estamos construindo políticas que compreendam e se insiram na conjuntura mundial do setor, onde ocorre este forte movimento de desconcentração da sua manufatura do Pacífico do leste. E sobretudo vermos, como podemos aproveitar esta oportunidade singular, para nos incorporarmos enquanto país e região, no seleto grupo mundial que domina e tem expertise neste tema. Sobretudo nas partes da cadeia produtiva que já dominamos e temos um ecossistema de SemiCon Nacional com umas 20 empresas. Oito delas no Design House, umas 10 no Back End (encapsulamento e testes), e uma de Front End (fabricação), nominada de solução completa, que é a CEITC, que foi retomada recentemente, depois de uma tentativa de liquidação.
Agora, todos estes instrumentos, necessitam serem acompanhados, de importantes decisões de Nação, pois sem elas, infelizmente, tais ações, não operarão na prática. Quais sejam:
– Qual a estratégia do Brasil no tema SemiCon?
– Vamos fazer Front End (fabricação) ou não? Vamos ficar somente no Design House (projetos) e Back End (empacotamento) ?
– E que parcerias vamos realizar para valer? China está aí, sinalizando enormes interesses de parcerias com os nominados BRICS. E USA também, já tomando iniciativas de construção de fábricas na América Central, mas pensando também na América Latina. Sobretudo porque, estas alianças são necessárias, uma vez que esta área necessita de robustos investimentos financeiros e, todos sabemos, os limites do orçamento público do país e as dificuldades que temos nas empresas privadas para tal, sem fomento do Estado, são enormes.
Estas respostas são quase uma premissa, para definir o grau de profundidade do mergulho do país nesta cadeia de produção e de suprimentos. Sobretudo porque setor é intensivo em business (como veremos a frente), é de caráter autônomo e independente do ponto de vista científico-técnico e de soberania geopolítica, principalmente do ponto de vista de qualquer estratégia comercial e de segurança regional. E além disto, ou sobretudo, de necessitaria de fortes e robustos investimentos, que dependendo do setor escolhido da cadeia de suprimentos, dispenderiam dezenas de milhões reais, se for em desenvolvimento e projetos, por exemplo; centenas de milhões, se for em encapsulamento, montagem e testes e, de alguns bilhões, se for no domínio, expertise e manufatura destes dispositivos. Até porque recursos humanos no setor não nos faltam, ainda que necessitemos formar e preparar mais gente qualificada. Hoje a mão de obra brasileira na área, é demandada por todos os grandes players globais do setor, por sua enorme qualificação e reconhecimento, que aliás vem desde a época em que começamos os cursos pós-graduações no país, na última terça parte do Século XX.
E outra questão, que também nos é feita de forma recorrente é “quais são os possíveis nichos de investimentos do Brasil”? Claro que dependem também das respostas levantadas acima, sobretudo porque exigirão investimentos consistentes e muitas parcerias, que devem necessariamente serem tratadas com muito rigor e critérios. E para isto, julgo fundamental mencionar estudos recentes da Gartner (2023/2024), que revelam evidências irrefutáveis.
Senão vejamos, em primeiro lugar, todos os players globais ainda mantêm nas suas linhas de produção um percentual de dispositivos nos segmentos tecnológicos de nanometria mediana, nominados de Chips Maduros, que não disputam com o “estado da arte”, e são muito seguros. Aliás, são os que os chineses usaram recentemente na sua IA DeepSeek, também baratos e eficientes. Para se ter uma ideia das tecnologias que continuam sendo usadas nas foundries (fábicas) e ainda são postas no mercado, portando existindo enormes demandas por elas, na sua forma percentual, são apresentadas a seguir: 14,1% delas ainda são com tecnologia nanométricas maiores ou igual a 400 (0,4µ); 10,3% entre 400 (0,4µ) e 200 (0,2µ) e 21,8% entre 200 (0,2µ) e 80 nanometros, configurando um percentual total ainda em produção nas linhas de montagens das fábricas e colocados no mercado, deste Chip Maduro, na ordem de 46% da demanda mercadológica global. Um foco do Brasil, ou mesmo da América Latina, neste nicho, não só seria um caminho para nossa incorporação na cadeia de suprimentos mais dinâmica e relevante de negócios global, mas mais ainda, sequer disputaria com os grandes players ou aqueles que trabalham hoje nas tecnologias de ponta, no estado da arte. E como não os confrontaríamos, poderiamos até tê-los como aliados.
Para finalizar reitero, este é mais um momento de enormes mudanças e transformações mundiais nos processos produtivos, que apanha também a manufatura de SemiCon, que passa por este processo de movimentação de desconcentração do Pacífico do Leste. Buscando se localizar inclusive em regiões geopolíticas estratégicas, do ponto de vista global, como é a nossa, sobretudo em relação a América Latina.
E é por isso que entendo, que não podemos perder mais uma vez a oportunidade ímpar, para nos incorporarmos a este seleto grupo mundial de países, que estão integrados na cadeia de suprimentos de chips, sobretudo por serem eles hoje, os ativos mais dinâmicos e relevantes do nosso tempo, por ser um enorme negócio, ter um grande caráter de autonomia científico-técnica e ser um elemento estratégico de soberania geopolítica de Nações.
(*) Engenheiro, Professor de Gestão do Conhecimento e da Inovação Escola Politécnica PUCRS e Consultor SemiCon TECNOPUC
Foto: pixabay
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