Por Luiz Afonso dos Santos Senna *
Crescimento econômico e investimentos em infraestrutura precisam andar juntos. Embora não haja consenso sobre a causa, a cada acréscimo de 1% nos investimentos em infraestrutura corresponde um aumento de 0,2% no Produto Interno Bruto (PIB).
As transportadoras, os serviços de apoio e toda a indústria têm na infraestrutura um pressuposto de sua existência e a ineficiência de elos dessa cadeia afeta a todos.
Entretanto, os investimentos públicos em infraestrutura de transportes decresceram nas últimas décadas, influenciando o desempenho da economia. A Europa investe hoje cerca de 1% do PIB na construção de sua infraestrutura; na década de 1980 investia 1,5%. No Brasil, em períodos da década de 1970, o investimento já foi 2% do PIB; e, na década de 2000, chegou a apenas 0,2%.
O transporte rodoviário é responsável por mais de 60% da movimentação da produção, mas 70% das rodovias são ruins ou péssimas. A eficiência do setor depende de fluxos estáveis de investimentos para a construção, manutenção e operação de rodovias. O Custo Brasil inclui gargalos como ações extrapoladas de órgãos ambientais, lentidão e excessiva intervenção de órgãos de fiscalização e desapropriações difíceis, compondo um ambiente hostil a ser contornado.
As licitações para executar projetos contribuem para prazos excessivos: buscam o menor preço em detrimento da credibilidade e da qualidade, e, ao focar apenas no menor preço, por vezes o critério de "melhor proposta" fica prejudicado. Atrasos das obras incluem recursos judiciais de empresas perdedoras de licitações, muitas vezes apenas estratégias postergatórias, que contribuem para a morosidade do judiciário.
Enquanto isso, nossos concorrentes globais estão cada vez mais ágeis. Entre conceber, decidir e implantar projetos, a China e a Índia consumem cerca de 3 anos entre a concepção e a conclusão de rodovias. Nos Estados Unidos, a seleção de empresas é rigorosa, baseada em aspectos técnicos e financeiros. Em casos de disputas judiciais, as decisões demoram poucos meses ou até mesmo semanas. Na Europa, as licenças ambientais são emitidas previamente, os países trabalham com fundos não vinculados e estabeleceram parcerias com a iniciativa privada. Para a Europa, quanto antes uma obra ficar pronta melhor seu desempenho econômico/financeiro. Os gastos com projetos (3% a 4% do custo da obra) são eficientes e realizados com elevado nível técnico, o que minimiza os riscos durante o período de execução. Os planos plurianuais e os marcos regulatórios europeus são cumpridos, independentemente de mudanças no comando político dos países.
Do total de 1,7 milhões de quilômetros da malha rodoviária brasileira, 98% é diretamente gerida pelos governos federal, estadual e municipal e 2% é concedida à iniciativa privada. Menos de 200 mil quilômetros (12% do total) são pavimentados, números irrisórios e caricatos até mesmo para a realidade latino-americana. O Paraguai possui 9%; Argentina e México apresentam respectivamente 26% e 36%. Países com extensões territoriais semelhantes ao Brasil, Índia e Canadá possuem cerca de 40%, e os Estados Unidos cerca de 65% A comunista China tem 80% da malha pavimentada, boa parte resultado de parcerias recentes com o setor privado. Na Europa, a taxa aproxima-se dos 100%.
A qualidade das rodovias brasileiras concedidas é muito superior às mantidas pelos governos. Até por força de contrato, são mantidas em níveis adequados. As públicas carecem endemicamente de manutenção, a operação é pobre e insuficiente. Ações "tapaburacos", promovidas por governos de todos os níveis, evidenciam a forma artesanal e amadora com que é tratado setor tão vital para a economia. Rodovias é uma indústria e devem conter conceitos de economia de escala, escopo e integridade da rede.
O grande desafio brasileiro é conservar, manter e operar a rede atual; e ampliá-la, com senso de urgência. O Brasil deve mais do que triplicar sua malha pavimentada para ficar próximo da média dos demais países do grupo dos Bric, que inclui a Rússia, Índia e China.
Na década de 1950, o presidente Juscelino Kubitschek constatou que era preciso ousar, e assim o fez ao anunciar seu programa de governo – 50 anos de progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas. O Plano de Metas contemplou os setores de energia, transportes e a indústria de base com 93% dos recursos alocados. O próximo presidente da República terá desafios semelhantes. Assim como já foi feito com energia e telecomunicações, o país precisa recuperar a infraestrutura de transportes em geral, e em particular as rodovias. Não bastará, como dizia em 1926 o presidente Washington Luís em seu lema "governar é construir estradas". Além de construir, é preciso manter, conservar e operar as rodovias ao longo do tempo, modernizar sua gestão e aportar tecnologia que as tornem inteligentes, com recursos suficientes e disponíveis no momento certo, a partir de programas de manutenção e operação robustos e consistentes.
Os programas de concessão de rodovias são importantes ferramentas para ampliar investimentos e aportar capacidade de gestão. O ambiente econômico é favorável à participação privada, porém faltam projetos e visão estratégica, além de convicção dos governos de todos os níveis. O marco regulatório é frágil, as agências reguladoras são precárias. Além disso, os governos comportam-se oportunísticamente: não reajustam tarifas, não respeitam contratos e produzem factóides. Existem diferentes formas de parceria entre o setor público e o privado, materializando diferentes percentuais de participação do contribuinte e do usuário no financiamento da infraestrutura.
As rodovias brasileiras dependem da efetividade da regulação, da eficiência e da maturidade do mundo político neste novo papel do Estado, mais regulador e menos operador. O novo presidente e os novos governadores precisarão de muita ousadia: transformar 50 anos em 5; construir anualmente 96 mil quilômetros de novas rodovias, manter e operar um total de 680 mil quilômetros. Tudo isto é apenas para o Brasil ficar proporcionalmente igual à Índia e dispor dos pré-requisitos para o país crescer sustentavelmente nas próximas décadas. O desafio está lançado.
(*) Luiz Afonso dos Santos Senna é PhD em Transportes (University of Leeds; Pós-Doutorado na Oxford University, Inglaterra); professor da UFRGS; diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre; ex-diretor da ANTT; autor do livro "Rodovias auto-sustentadas: o desafio do século XXI", Conselheiro do Grupo de Logística do COINFRA/FIERGS.
Fonte: Intelog
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