08/12/2022

Felipe Villela, palestrante dos Painéis da Engenharia, fala sobre agricultura regenerativa como aposta para aliar produção e preservação ambiental

 Confira entrevista do especialista Felipe Villela, da Fundação reNature e palestrante do 17º Painéis da Engenharia, ao Jornal do Comércio.

 

Voltar o olhar para a natureza e entender com ela a melhor forma de cuidar do solo é a proposta da agricultura regenerativa, conceito apresentado pela Fundação reNature para aliar produção agrícola com preservação ambiental. Princípios como o uso eficiente da água e práticas como a diversificação de culturas, por exemplo, são formas de garantir a sustentabilidade do solo a longo prazo.

Quem explica é Felipe Villela, co-fundador da holandesa reNature (organização híbrida: empresa e fundação) que trabalha com projetos voltados à agricultura regenerativa. Gaúcho de criação, ele está em Porto Alegre para participar do evento Painéis da Engenharia, evento promovido pelo Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS) nesta quinta-feira, dia 8.

Em conversa com a coluna, Villela conta sobre como praticar uma agricultura que vai além da sustentabilidade ao maximizar os impactos positivos – para a produção e para o futuro do planeta.

Jornal do Comércio – O que é a agricultura regenerativa?

Felipe Villela – Agricultura regenerativa é uma agricultura baseada na imitação dos processos da natureza. Os principais princípios são a saúde do solo, o aumento da biodiversidade, o uso eficiente de água, a resiliência econômica da propriedade e a redução de gases de efeito estufa. E as principais práticas são a cobertura do solo – usar espécies que mantém o solo coberto para evitar, por exemplo, a erosão e outros desafios climáticos; o plantio direto – não arar muito o solo para evitar a perda de microrganismos fundamentais; a transição de insumos sintéticos e químicos para insumos biológicos e orgânicos; e a diversificação e rotação de culturas – sair da monocultura e produzir outras consorciadas para ter uma maior quantidade de fotossíntese e espécies naquele ecossistema.

JC – A rotatividade do plantio é mais que a prática da safra e entressafra?

Vilella – Exatamente. A rotação, a safra e a safrinha também são maneiras de sempre utilizar aquela terra, só que é muito importante manter o solo coberto o ano inteiro, até no inverno, porque o solo acaba liberando a umidade e o carbono para a atmosfera ao invés de retê-lo se ele não estiver coberto. E sim, a rotação é fundamental, mas a diversificação é mais importante ainda. Hoje no Brasil já tem oitenta milhões de hectares degradados por conta da pecuária de baixa produtividade e extensiva e também por conta da monocultura de grãos, principalmente, que vem comprometendo o solo por falta de cobertura, por falta de ciclagem de nutriente, que a quantidade excessiva de fertilizantes de insumos químicos tem tem feito o solo ficar cada vez mais prejudicado e comprometido à erosão. Utilizar espécies de plantas como fonte de fertilizante natural é muito mais eficiente do que ficar sempre trazendo de fora esses insumos.

JC – No que o conceito de regeneração avança em relação à sustentabilidade?

Villela – Sustentabilidade tem o foco na sustentação de um sistema ou de um ecossistema. E isso é basicamente a gente conseguir diminuir o impacto negativo e neutralizá-lo, simplesmente sustentar a nossa sociedade com os recursos naturais. Mas nós não podemos somente nos dar ao luxo de, por exemplo, neutralizar as nossas emissões e os nossos impactos negativos. Se quisermos realmente ter um futuro próspero e abundante em termos de recursos naturais, precisamos maximizar o impacto positivo e ir além da sustentabilidade. Esse é o movimento de regeneração, conseguir não só sustentar, mas sim regenerar o solo para que as próximas gerações tenham suficiente recursos naturais.

JC – A ideia que você traz é não colocar a preservação ambiental como um contraponto à produção agrícola ou a pecuária, mas como aliada, isso?

Villela – Exato. Se o agro não incluir o meio ambiente na sua tomada de decisão, não vai ser produtivo a longo prazo. E por que estou dizendo isso? Porque hoje a gente vê os severos efeitos climáticos na produtividade de todos grãos, no Brasil e no mundo inteiro. Tivemos perdas significantes, desde a soja do Paraná, pelo efeito da estiagem, até a cafeicultura, que teve uma queda de 25% na produtividade – e o Brasil é o maior exportador de café do mundo – por conta das geadas. O clima está impactando a produção agrícola de uma forma que se não criarmos um ambiente resiliente climaticamente falando, na paisagem agrícola, não vamos conseguir garantir segurança alimentar e não vamos continuar produzindo commodities para exportação, para garantir um PIB de 30% que hoje contribui para o nosso país. E vemos mercados estrangeiros exigindo essa mudança de práticas até com compromissos de compra de produto somente proveniente de fontes sustentáveis e regenerativas.

JC – Há, então, um olhar internacional sobre como está se produzindo, e não somente sobre o que se produz?

Villela – Exatamente. O manejo é fundamental. Podemos falar de eficiência de gestão em relação a, por exemplo, agricultura de precisão, que contribui para uma agenda mais sustentável, mas se não estivermos olhando, por exemplo, a criação de um solo mais saudável, não vamos conseguir uma produtividade boa para as culturas. Por isso o foco no solo é muito importante. E as árvores têm um papel fundamental na regeneração também, porque são as maiores fontes, por exemplo, de biomassa e matéria orgânica para diminuir o custo de insumos externos. Utilizar a madeira das podas como fonte natural de biomassa. E também trazer inimigos naturais das pragas e doenças. Então você trabalha com a natureza para aumentar a biodiversidade e aumentar o potencial daquela paisagem. É a gente escutar a sabedoria da natureza.

JC – Um conceito que tem se empregado nas cidades é a solução baseada na natureza. É semelhante a isso?

Villela – É isso. Biomimética (área da ciência que estuda os princípios da natureza), só que na produção de alimentos. Conseguir gerir as áreas rurais de forma eficiente, mas que tenha a natureza como um dos principais aliados na hora de desenhar o planejamento do plantio da propriedade.

JC – E tem também relação com as cidades, pois o que se produz no meio rural abastece as cidades.

Villela – Exatamente. E há um risco muito grande de falta de mão de obra rural (pelo rompimento da) sucessão familiar no campo. Muitos filhos e netos (de produtores) estão indo morar nas cidades por não verem atratividade e recompensa em trabalhar no campo. Então, a gente tem feito com que a agricultura seja algo mais atrativo, mais sexy para as próximas gerações, principalmente fazendo com que o pagamento por serviços ambientais seja uma outra fonte de renda para os produtores. Por exemplo, que carbono e biodiversidade sejam ativos ambientais monetizados para os produtores conseguirem ter uma renda extra pelo impacto que estão gerando naquele ecossistema.

JC – Você falou que não se trata de somente neutralizar os impactos, mas maximizar o impacto positivo. E um dos temas que você elencou como parte da agricultura regenerativa é o aumento da biodiversidade. Como faz para reverter a curva da perda de biodiversidade?

Villela – Se fala muito de (sequestro) carbono como um dos principais serviços ambientais da natureza. Só que a biodiversidade é tão importante quanto. E, ao tirar áreas de florestas, por exemplo, e implantar algum cultivo agrícola, acaba tirando o habitat de muitas espécies, não só de mamíferos e de insetos, mas também de espécies que estavam presentes naquele solo.

JC – Por exemplo?

Villela – A minhoca. Hoje se vê na agricultura a falta de presença de minhoca, que é o maior indicador de saúde do solo, porque ela está no topo da cadeia alimentar do solo. É a minhoca que rege todo o ecossistema do solo, é ela que se alimenta das outras espécies. E vemos que falta muita minhoca no solo hoje em dia na agricultura brasileira. E, ao se produzir de forma regenerativa, sustentável, multiplica a quantidade de minhocas presentes e isso atrai muita biodiversidade. E por que a minhoca é fundamental? Porque, além de aumentar a quantidade de biodiversidade naquele solo, ela também está permitindo, ao se mover pelo solo, a troca dos nutrientes de forma mais eficiente. E também estocar carbono que é sequestrado da atmosfera no solo. E também a capacidade de infiltração de água no solo. Quando o solo está muito compactado, sem minhoca a água que vai cair da chuva não vai ser infiltrada e aquele solo vai ter um risco muito grande de alagamento. Então a biodiversidade é fundamental para conseguirmos tornar a agricultura mais regenerativa. E para aumentar a biodiversidade, você precisa aumentar a diversidade de espécies. Por isso que a diversificação da cobertura de solo é fundamental. Assim como nós, seres humanos, precisamos de protetor solar para nos proteger do sol, o solo precisa de um protetor vegetal para poder reter a umidade e aumentar a quantidade de biodiversidade. Essas são boas práticas fundamentais para aumentar a biodiversidade daquele ecossistema.

JC – Você esteve na COP 27 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas). Que contribuição ela traz para a agricultura regenerativa?

Villela – A COP 27 foi muito importante, principalmente num ano muito difícil de eventos climáticos extremos, pandemia, guerra (impactando) o preço dos fertilizantes. Tiveram resultados interessantes, como por exemplo um novo fundo para perdas e danos, em que países mais vulneráveis aos impactos climáticos tenham um suporte financeiro imediato para quando tiverem perdas e danos. Teve também alguns compromissos de investimento para a agricultura regenerativa, de inclusão de manejo de solo mais sustentável.

 

 

 

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