18/07/2017

ARTIGO: Reformas desestruturantes do estado social

Vivemos tempos difíceis. Uma onda de reformas desestruturantes avança contra as bases que sustentam a essência do Estado social brasileiro. O congelamento dos gastos sociais e as reformas previdenciária, trabalhista e tributária parecem apontar para uma concepção de Estado diametralmente oposta à que foi adotada pelos constituintes em 1988.

Para entender melhor o que acontece no Brasil, precisamos colocar as reformas em um contexto mais amplo do que um mero ajuste fiscal ou modificações pontuais na previdência ou na legislação trabalhista. O que está em curso parece ser a interrupção de um processo de afirmação e aprofundamento de um modelo de Estado e o retorno a uma configuração de Estado anterior à Constituição Federal de 1988 (CF 88), tendo como pano de fundo um discurso, meio moralista, de austeridade e de responsabilidade fiscal.

O Estado social inaugurado pela CF 88 estrutura-se na universalização das políticas públicas de proteção social (saúde, assistência e previdência) e de educação, cuja inspiração foi buscada nos Estados de bem-estar europeus, quase todos instituídos no final da década de 1940.

O aprofundamento do Estado Social, como determina a CF 88, depende, dentre outras coisas, da ampliação de transferências de renda para o setor público, via carga tributária, que é uma consequência do modelo de Estado que a sociedade decidiu implementar. E é justamente aqui que reside a fonte dos maiores conflitos e resistências, pois não há como garantir avanços sociais sem redistribuir renda e sem enfrentar interesses das classes dominantes, que, historicamente, se apropriaram da maior parte do patrimônio nacional.

Talvez isso explique, em parte, por que, passados quase 30 anos da promulgação da CF 88, nosso sistema tributário continua sendo tão regressivo, onerando mais os pobres dos que os ricos, contrariando o princípio de respeito à capacidade contributiva. Do lado da aplicação Reformas desestruturantes do estado social O que está em curso é o retorno a uma configuração de Estado anterior à Constituição Federal de 1988 dos recursos, no entanto, as políticas sociais vêm evoluído, ainda que forma lenta, no sentido da ampliação do bem-estar via universalização dos serviços básicos de saúde, assistência, previdência e educação.

Estudo do IPEA revela que as políticas sociais, primeiro com as transferências previdenciárias e assistenciais, depois, com gastos em saúde e educação, conseguem eficácia na redução das desigualdades sociais, apesar da regressividade da tributação. Como demonstra a Figura 1, em 2009, o índice de GINI (que mede o nível de desigualdade) varia de 0,634, na situação original de renda, para 0,496, depois da ação do Estado.

As reformas em curso constituem uma estratégia dissimulada para modificar a essência do Estado brasileiro, pois atuam na esterilização de diversos dispositivos que configuram o Brasil como um Estado social.

O congelamento dos gastos primários por 20 anos (PEC dos gastos), aprovado em dezembro de 2016, determinou a rota para a minimização do Estado. O propósito implícito da emenda 95 é justamente promover a redução das despesas primárias do governo federal, dos cerca de 20% do PIB, atuais, para algo em torno de 12%, em 2036, valor muito próximo ao que era praticado antes da CF 88 (Figura 2). Se de 1988 até agora andávamos no rumo da construção do Estado social, nos próximos 20 anos, andaremos no sentido oposto, rumo a um Estado residual, pois a emenda aprovada inviabilizará a efetivação de grande parte dos direitos.

Segundo o IBGE, nos próximos 20 anos, a população crescerá em torno de 10% e a população idosa duplicará. O congelamento, portanto, implicará de fato a redução dos gastos por cidadão, o que nos remete à inevitável conclusão de que a lógica da universalização dos servi- ços essenciais dará lugar à lógica do atendimento residual, típico dos denominados Estados Mínimos. Nem mesmo a retomada do crescimento econômico ou o aumento da arrecadação de tributos será capaz de romper o processo de redução do Estado. “O que está em xeque é o contrato social e o modelo de sociedade pactuado em 1988, fruto da longa luta travada por muitos em favor da democracia e da construção de sociedade mais justa e igualitária.” (ANFIP e DIESE/2017)

Ao contrário do que diziam para justificar a aprovação da PEC, as despesas primárias não estão fora de controle, apresentando, inclusive redução de crescimento nos últimos anos (Figura 3). O que se observa é uma redução da arrecadação em 2013, que decorre de uma série de fatores conjunturais, como a crise econômica, o elevado volume de desonerações (entre 2010 e 2015, passa de 3,6% para 4,93% do PIB) e o elevado nível de sonegação.

Por outro lado, os gastos financeiros, que não foram objeto desta PEC, tiveram crescimento extraordinário, saltando de 5% para 8% do PIB, de 2010 a 2015.

A etapa seguinte no caminho da desestruturação do Estado é a reforma previdenciária, cujos objetivos principais são dificultar o acesso aos benefícios e ampliar o tempo de contribuição. O argumento insistente de que a previdência é deficitária não se sustenta nem nos números apresentados pelo governo, que não levam em conta a totalidade das receitas previstas pela CF 88, mas tão somente as contribuições dos empregados e dos empregadores. Utilizando esta mesma fórmula, talvez a maioria dos sistemas previdenciários do mundo seja também deficitária.

Os constituintes de 1988, ao definirem a seguridade social tiveram a cautela de estabelecer também suas fontes de vinculadas de financiamento. Além das contribuições previdenciárias, propriamente ditas, a seguridade deve ser financiada por contribuições sociais incidentes sobre o faturamento, lucro das empresas e concursos de prognósticos, e as receitas próprias das entidades participantes do sistema.

Sem incluir a parte do governo no financiamento da seguridade, a previdência dificilmente seria superavitária. As contas da seguridade social, no entanto, vêm apresentando superávits consecutivos, apesar das desonerações, da sonegação e da crise econômica. Tanto que o pró- prio governo propôs a elevação da DRU7 de 20% para 30%. Segundo a pesquisadora Denise Lobato Gentil, entre 2007 e 2015 o superavit acumulado da seguridade foi de aproximadamente R$ 680 bilhões.

Outra medida, igualmente desestruturante, é a reforma trabalhista. Não é demais salientar que os direitos dos trabalhadores e a valorização do salário mínimo são elementos controlados pelo Estado que, além de preservar condições dignas de vida aos trabalhadores, impõem restrições ao processo de acumulação capitalista. Em complemento ao projeto principal, foi aprovado o projeto de lei que autoriza a terceirização irrestrita do mercado de trabalho, o que, segundo especialistas produzirá um achatamento dos salários e uma total precarização das relações de trabalho.

O PL 6.787/2016, por sua vez, praticamente eliminará o direito do trabalho e a tutela do Estado, jogando para as negociações o disciplinamento das relações de trabalho. Na concepção de que o negociado sobrepõe-se ao legislado, não há dúvida de que as condições serão sempre mais favoráveis aos patrões, o que implicará, certamente, a deterioração crescente das condições de trabalho, de um lado, e a ampliação de lucros e redução de responsabilidades sociais, de outro.

Por fim, a reforma tributária começa a ser desenhada no Congresso Nacional. Considerando o ambiente em que está inserida e tendo em vista o esboço de relatório já apresentado pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, a tônica principal parece ser a simplificação e a desoneração das empresas, com sério risco de eliminação das fontes vinculadas ao financiamento da seguridade social.

No contexto de reformas que desestruturam o Estado social, não se pode esperar medidas que promovam a justiça fiscal, como o Imposto sobre Grandes Fortunas, a revogação da isenção do Imposto de Renda sobre lucros e dividendos distribuídos,8 a tributação dos lucros remetidos ao exterior, a revisão da Lei Kandir, entre outras.

A extinção de direitos e garantias, a redução da participação dos gastos sociais em relação ao PIB, a redução dos custos relacionados à contratação de mão de obra e a redução dos benefícios previdenciários e assistenciais têm como consequência, por um lado, a precarização das condições de vida para a maioria da população, aumento da desigualdade, restrição de acesso aos serviços básicos de saúde, educação, assistência, etc., mas, por outro, um aumento substancial da fatia de renda que permanecerá ou retornará para as mãos do setor privado, especialmente ligado ao setor financeiro. O que está em curso é uma verdadeira luta de classes de cima para baixo, de acordo com Luiz Carlos Bresser Pereira, em entrevista à Carta Capital.

Assim, diante dos ataques ao Estado de bem-estar, instituído pela CF 88, sob argumentos falaciosos de que não há recursos para financiá-lo, mas ampliam-se as concessões de benefícios fiscais, toleram-se níveis alarmantes de sonegação, desoneram-se as exportações, inclusive de recursos naturais não renováveis, e abdicam de tributar os mais ricos. Somente a mobilização popular, em LEGÍTIMA DEFESA DO ESTADO SOCIAL, será capaz de barrar este processo acelerado de retorno ao passado.

Artigo originalmente publicado na revista Achados de Auditoria, do CEAPE Sindicato.

 

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