Por: Silvio Mezzari
MTE/RS 10.028
Imagem: Claiton Dorneles/Jornal do Comércio

Plano Diretor Municipal é o mecanismo legal que visa orientar a ocupação do solo urbano, tomando por base, de um lado interesses coletivos e difusos, tais como a preservação da natureza e da memória, e de outro, os interesses particulares de seus moradores.

Porto Alegre tem o seu, cuja última revisão data de 1999 e que, portanto, precisa ser novamente revisado. Até porque a legislação municipal determina que uma atualização seja feita a cada dez anos. Estamos, pois, com mais de uma década de atraso.

Não precisa ser especialista para concluir que a falta desta revisão interfere diretamente no funcionamento da cidade, na precarização da qualidade de vida dos cidadãos, na competitividade e atratividade dos negócios e, claro, no sucateamento da máquina pública.

Da mesma forma, como em qualquer atividade, as soluções adotadas há mais de 20 anos, dificilmente irão atender as demandas atuais de uma estrutura tão complexa quanto uma cidade do tamanho da nossa Capital.

Assim, não apenas a atualização se faz necessária: torna-se também imprescindível avançar numa visão que contemple o futuro e que favoreça o desenvolvimento sócio econômico de maneira sustentável.

Partindo deste princípio, a Administração Municipal, através de um trabalho que envolve todas as secretarias e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), vem conduzindo estudos e formatando propostas em diversas direções.

O papel do SENGE-RS

Como membro permanente do CMDUA, o Sindicato dos Engenheiros vem reiterando na sua atuação no Conselho uma postura histórica de privilegiar a Engenharia e suas soluções eminentemente técnicas para as formulações desta importância.

Mesmo diante da complexidade dos problemas e das divergências de interesses, defendemos que a Engenharia pode e deve prevalecer ao estabelecer normas e critérios capazes de beneficiar todos os aspectos do tecido social e econômico, seguindo o exemplo de inúmeras metrópoles ao redor do planeta, não apenas no mundo desenvolvido.

Neste sentido, a alteração do novo Plano Diretor avança para além da revisão de normas, de limites e de possibilidades. Partindo de uma base já consolidada, acrescenta uma visão que passa a priorizar não mais o terreno como unidade urbana isolada e suas potencialidades, mas sim a interação envolvendo as diversas estruturas e os diversos agentes, numa concepção ampla de cidade funcional e inteligente. A ideia é fazer com que o Plano Diretor atenda com mais eficácia aquilo que é público, visto que hoje, com a atual formatação, mantém foco exclusivamente no privado.

Segundo o engenheiro Fernando Martins Pereira da Silva, diretor do SENGE e um dos representantes da entidade no CMDUA, o papel do Sindicato nesta questão envolve duas ações distintas, embora concomitantes e complementares. Inicialmente, a própria participação como membro do Conselho, que é a instância consultiva para onde convergem todas as questões de impacto integral não suficientemente esmiuçadas no regramento do Plano Diretor, como os grandes empreendimentos e áreas de interesse especial, por exemplo. Num segundo momento, o SENGE atua também na revisão do Plano Diretor.

A posição do Sindicato sustentada pelo engenheiro Fernando Martins defende que muitas das minúcias contidas no regramento, como determinar que uma sacada tenha 1,20m ou 1,50m, ou que a ocupação de uma esquina respeite um recuo mínimo de seis metros, interferem na edificação em si, mas  quase nada na cidade como um todo, e é neste ponto que Porto Alegre precisa focar. “Estamos falando de Planejamento Urbano de longo prazo”, conforme frisou.

Para ele, a administração precisa estar apta a identificar de maneira ampla e integrada, as demandas urbanas por vias primárias, equipamentos praças, hospitais, escolas, delegacias de polícia etc., e não apenas trabalhar no detalhe, na medida exata, na inflexibilidade, entre outros fatores.

Contrapartidas

Neste ponto, entram em campo as chamadas contrapartidas para a cidade. O representante do SENGE no CMDUA afirma que até então tais iniciativas compensatórias vem avançando muito na base do “achismo”, considerando as importantes alterações provocadas na estrutura urbana quando da implantação de um projeto. A definição das contrapartidas a serem executadas devem responder ao planejamento urbano e, portanto, precisam de regramento, onde prevaleçam critérios técnicos.

A partir desta ótica, Fernando sustenta que as diferenças de ocupação e utilidade entre um projeto de um grande hotel, que demanda mais fluxo de pessoas, consumo de água e produção de resíduos, e a instalação de um shopping center, não podem gerar contrapartidas idênticas, como a construção de uma ciclovia.

Do ponto de vista prático, a Prefeitura de Porto Alegre e suas diversas secretarias, assim como as entidades com assento no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, produzem propostas à revisão. Trata-se de uma oportunidade única que se abre a todas às entidades como o SENGE e demais instituições da área tecnológica de proporem melhorias concretas para a cidade.

De posse destes encaminhamentos iniciais, o próprio CMDUA fará uma análise prévia e os direcionará para a plenária de um grande seminário a ser realizado ainda no primeiro semestre de 2020. O documento final deste encontro será encaminhado ao Executivo Municipal que dará o andamento legal e definitivo.

Caixinhas de vidro

Um dos exemplos clássicos do regramento que precisa ser revisado são os que envolvem os terrenos de esquina. Sua localização privilegiada poderia ser uma grande vantagem para os proprietários e para a cidade. Porém, representam na realidade um dos maiores problemas de ocupação dos espaços urbanos em Porto Alegre. Conforme o Plano Diretor, a obrigatoriedade de recuo nas duas laterais impõe uma perda de cerca de 40% da área total útil. Tal “achatamento” potencializa basicamente a construção das chamadas “caixinhas de vidro” e a instalação de farmácias em quase todas as esquinas. Os técnicos e a própria população, reclamam que a cidade está ficando feia porque são centenas de farmácias em quase todas as esquinas. Fernando Martins propõe a alteração do Plano para permitir aos arquitetos a elaboração de projetos mais interessantes que as caixinhas e que possam contribuir para a cidade ficar mais bonita e funcional.

Desempenho e resultados

A diretora da Planejamento Urbano da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade, Patrícia Tschoepke, ressalta que o Projeto de Revisão está organizado em duas fases.

A primeira, ora em andamento, converge para a revisão do Plano Diretor a partir do conteúdo hoje existente. Vai além ao acrescentar a criação e implantação de um Modelo de Gestão da Administração Municipal.

Isso porque os desafios do Planejamento Urbano de Porto Alegre não permitem mais que cada secretaria e cada órgão municipal atue de forma não integrada, sem que suas políticas estejam relacionadas de maneira harmônica. No conjunto de contribuições à revisão elaboradas pelos técnicos de todos os setores da prefeitura, encontraremos também proposições a este novo modelo. 

A primeira fase inclui, além da reorganização e integração dos diversos órgãos a partir de um novo modelo de gestão, a criação de uma plataforma de dados georreferenciados abastecidos e disponibilizados simultaneamente aos profissionais da municipalidade. A ferramenta irá facilitar tanto a operacionalização e o desempenho dos projetos implantados quanto para aferição de resultados, tornando mais “científica” e menos discricionária as tomadas de decisão.

A segunda fase, engloba os chamados “planos pormenores” ou “planos parciais urbanos”, na qual determinado projeto é aplicado em setores da cidade, servindo de teste para a definição da melhor norma de desempenho ou solução, considerando aquele tipo de território. Exemplo: conflitos urbanos ambientais, patrimônio cultural, entre outros.