05/07/2017

Imprensa repercute riscos do projeto de lei que altera sistema de inspeção e fiscalização agropecuária no RS

Foto: revistaveterinaria.com.br

Projeto que permite a terceirização na vistoria de produtos de origem animal divide opiniões

Governo encaminhou, na última terça-feira, projeto de lei que altera o sistema estadual de inspeção e fiscalização

Fonte: Zero Hora – 30/06/2017

A falta de profissionais que atuam na defesa agropecuária o Estado a buscar alternativa radical. O governo encaminhou, na última terça-feira, projeto de lei que altera o sistema estadual de inspeção e fiscalização de produtos de origem animal e permite a terceirização de parte das atividades. A proposta, que tramita em regime de urgência e deve ser votada no prazo de 30 dias, já chegou na Assembleia Legislativa envolta em polêmica. Mas a deficiência nos serviços não é exclusividade do Estado. No Ministério da Agricultura, o problema crônico passou a ser tratado como prioridade após a deflagração da Operação Carne Fraca.

Entidades como a Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro), o Sindicato dos Médicos Veterinários no Estado (Simvet/RS) e o próprio Ministério da Agricultura demonstram preocupação com uma eventual mudança nas regras, que poderia fragilizar ainda mais o sistema e afetar a qualidade dos produtos, já colocada em xeque por operações como a Leite Compen$ado. O governo do Estado, no entanto, rebate as críticas e diz que o objetivo seria modernizar e fortalecer a inspeção e a fiscalização, aumentando a capilaridade e eficiência das atividades.

O setor produtivo, especialmente a indústria de carnes, apoia as alterações. Na prática, se o projeto for aprovado, o fiscal agropecuário (veterinário concursado) não vai mais precisar estar presente nos frigoríficos todos os dias em que há abate. A tarefa de examinar o estado dos animais e das carcaças, além do monitoramento dos processos e controles de recebimento, manipulação, preparo, conservação, embalagem, entre outros, ficará sob responsabilidade de um "veterinário habilitado", contratado de empresa credenciada.

De acordo com o secretário da Agricultura, Ernani Polo, faltam hoje cerca de 160 veterinários, 60 apenas na inspeção. Mas, devido à limitação orçamentária e às restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, não há como ampliar o quadro.

Esse déficit de servidores estaria, segundo ele, impedindo a ampliação e abertura de cerca de 30 indústrias e gerando "prejuízos econômicos e sociais". Levantamento indica que as demandas reprimidas têm potencial de 440 empregos e R$ 19,5 milhões de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao ano.

A Afagro entende que não há como separar a inspeção da fiscalização, como o governo propõe, e que os profissionais terceirizados estariam mais sujeitos a pressões. A presidente da associação, Angela Antunes de Souza, diz que os profissionais, hoje, mesmo tendo poder de polícia administrativa, sofrem com ameaças e perseguições por lidarem com "interesses econômicos". Fiscal há 10 anos, ela lembra que "todo produto de origem animal ou vegetal que chega na mesa do consumidor passa, em algum momento, pela fiscalização agropecuária":

— O papel do fiscal é resguardar a saúde do consumidor. Tirar a fiscalização de dentro do estabelecimento é muito mais para agradar o setor agroindustrial do que para resolver o problema do Estado. A cadeia produtiva tem muito a evoluir, ainda ocorrem fraudes, temos problema de abigeato. Como vamos discutir uma autofiscalização? Isso nos assusta.

Projeto é inspirado em sistemas em operação

O modelo proposto pelo Piratini é inspirado em sistemas já adotados em outros países. No Brasil, Santa Catarina foi o primeiro Estado a terceirizar a inspeção, em 2010, caminho também seguido por Paraná e Bahia. Presidente da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), Enori Barbieri, diz que houve resistências, mas que os resultados são positivos. Segundo ele, o problema do abate clandestino foi "praticamente eliminado". Atualmente, três empresas estão credenciadas para fornecer mão de obra e há 500 veterinários habilitados para prestar serviço.

— São coisas que colocamos em prática para atender a iniciativa privada. Hoje, infelizmente, o serviço público atrapalha o setor privado. As pessoas querem trabalhar, o país está em crise e o serviço público não permite — diz Barbieri.

A indústria aprova as modificações. Presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber avalia que é preciso evoluir e que o mundo todo já avançou nesse sentido. Ele cita o exemplo da Alemanha, onde a inspeção é feita pela própria indústria.

Presidente do Simvet/RS, Maria Angelica Zollin de Almeida discorda dessas comparações:

— O programa é excelente para a Europa. Lá, as pessoas são bem pagas e têm outro nível de dever. Não tem como comparar. Nossos veterinários são mal pagos, as condições de trabalho são precárias — diz ela, que teme pela autonomia do veterinário.

Modelo de fiscalização em xeque após operações

O governo federal também prepara reforma na fiscalização. Segundo o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luiz Rangel, as recentes denúncias e investigações envolvendo o setor, além do fechamento de mercados, colocaram o atual modelo em xeque. Uma proposta deverá ser apresentada em até 60 dias. Mas Rangel descarta que a União possa seguir o mesmo caminho do Rio Grande do Sul.

— O que o Estado está propondo é a privatização. É um modelo bastante ousado, mas acho que a virtude está no meio do caminho. O modelo não pode ser flexível ao ponto de não ser confiável. A sociedade gaúcha é que tem de se perguntar se esse modelo é seguro, e o melhor lugar para discutir isso é na Assembleia.

Conforme o superintendente do Ministério da Agricultura no RS, Roberto Schroeder, há, ainda, risco de o Estado perder a equivalência com a inspeção federal. Hoje, 17 empresas estão habilitadas a ingressar no Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi-POA), o que permite a venda em todo o território nacional.

— Todos os pareceres do Supremo, que julgam ações relativas a esse tipo de sistema de terceirização de atividade-fim, incluindo a inspeção, são desfavoráveis. A inspeção/fiscalização é atividade típica do Estado e não pode ser delegada.

O secretário da Agricultura, Ernani Polo, garante que o resultado será um "sistema mais robusto de fiscalização" e que a mudança do modelo não representará risco para a saúde pública. Polo discorda do termo terceirização. Segundo ele, o Estado adotou o mesmo conceito de "habilitação" utilizado pelo Ministério da Agricultura para exames oficiais de brucelose e tuberculose.

Nas fábricas de processamento, como de laticínios, a inspeção já é periódica, cabendo às empresas garantir a qualidade dos produtos. Em março, o Ministério Público deflagrou a 12ª fase da Operação Leite Compen$ado, que investiga fraudes no setor. Questionado sobre as mudanças propostas pelo governo, o promotor Mauro Rockenbach lembra que "esse sistema existe, mas não funciona" nas empresas de laticínios e que a maioria dos problemas foram detectados em estabelecimentos com fiscalização municipal, que terceiriza a função.

— Um município, por exemplo, que depende de um frigorífico, que gera empregos e arrecadação de impostos, não vai criar obstáculos para a empresa. Pela experiência da Leite Compen$ado, tenho muito receio de que o Estado não tenha condições de criar um sistema que supervisione, a contento, essa terceirização.

Contratação é questionada

Desde 2015, a consultoria Foco Rural vem trabalhando no projeto de reformulação do serviço estadual de inspeção e fiscalização. A contratação é alvo de questionamentos. Isso porque a empresa é paga pelo Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), criado e abastecido pelas cadeias de produção e genética da avicultura, suinocultura e pecuária.

Segundo o presidente do Fundesa, Rogério Kerber, foi a Secretaria da Agricultura que solicitou a contratação de "um suporte técnico para viabilizar a avaliação, o estudo e a construção" da proposta, e o fundo "colocou recurso à disposição". Kerber diz que, em 2015, a empresa auxiliou na reorganização do sistema e que, desde o início desde ano, presta consultoria técnica para a secretaria, tendo ajudado a elaborar o projeto de lei. O custo desse último trabalho, conforme ele, gira em torno de R$ 60 mil.

— O Fundesa é um fundo público-privado, cujo conselho deliberativo é formado por associações e sindicatos de indústria e produtores que a gente fiscaliza. E aí esse fundo contrata empresa para fazer diagnóstico e proposta de inspeção para o seu próprio público. Não tinha como fazer outro diagnóstico. É uma situação estranha. Por que o Estado não fez uma licitação? — questiona a presidente da Afagro, Angela Antunes de Souza.

Para o secretário da Agricultura, Ernani Polo, não há conflito de interesses. Conforme ele, o Fundesa "tem auxiliado em várias demandas" que a secretaria não tem condições de atender, por falta de recursos.

— O Fundesa está nos auxiliando para que tenhamos um sistema eficiente de controle e para que a roda possa girar, porque também é interesse do poder público fazer com que as empresas que queiram ampliar sua produção ou abrir suas portas tenham condições. Hoje, o Estado está travando isso — defende Polo.

Um dos sócios da Foco Rural é o ex-prefeito de Rio Pardo Fernando Schwanke (PMDB). Segundo ele, a empresa realiza trabalhos de forma isenta:

— No ano passado, se concluiu apontando a necessidade, até por uma análise de risco, por falta de profissionais e de agilidade de processos, se sugeriu que se utilizasse esse modelo. Mas, obviamente, essa não é uma decisão nossa, é uma sugestão.

Fiscalização em números

— 350 fiscais agropecuários atuam hoje em quatro áreas: defesa vegetal, inspeção vegetal, inspeção animal e defesa animal

— 150 são da área animal, sendo que 45 são cedidos por prefeituras através de convênios, uma prática questionada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE)

– R$ 3,5 milhões é a receita com a taxa de inspeção sanitária de produtos de origem animal, que, com o novo modelo, cairia para R$ 1,05 milhão

— R$ 19,5 milhões seria o incremento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerado com a abertura e ampliação de plantas, cujos projetos estão parados por falta de pessoal

— 51% da carne de gado consumida no Estado passa pelo sistema estadual de fiscalização

Fontes: Seapi, Sefaz e Afagro

Principais pontos da proposta:

– O PL separa a inspeção da fiscalização dos produtos de origem animal, que, atualmente, nos frigoríficos e abatedouros, são feitas por um mesmo servidor (o fiscal estadual agropecuário).

— Também cria o conceito de inspeção industrial sanitária, que será executada por médico veterinário habilitado, sob coordenação, supervisão e fiscalização do Departamento de Defesa Agropecuária (DDA), da Secretaria da Agricultura.

– Na prática, a proposta permite a terceirização do serviço de inspeção, pois autoriza a Seapi a "habilitar prestadores de serviços técnicos e operacionais".

— Os frigoríficos contratarão médicos veterinários por meio de empresas credenciadas pelo Estado. O profissional terá que fazer um curso de capacitação homologado pela Seapi.

— Nos estabelecimentos com inspeção estadual, a fiscalização dos produtos de origem animal seguirá sendo feita pelos servidores do DDA (médicos veterinários da secretaria), de forma permanente ou periódica, dependendo do volume de produção do estabelecimento.

— O Estado abrirá mão de parte da arrecadação da atual taxa de abate e fiscalização, que será dividida entre inspeção (70%) e fiscalização (30%). A Seapi estima que a perda será compensada pelo aumento de arrecadação com ICMS.

— No ano passado, o Estado arrecadou R$ 3,5 milhões em taxas de abate, segundo a Secretaria da Fazenda. Pelo modelo proposto, a receita cairia para R$ 1,05 milhão.

 

Fiscais agropecuários relatam ameaças e intimidações

Afagro, que representa a categoria no Estado, alertou o Ministério Público sobre a falta de segurança

Fonte: Zero Hora (30/06/2017)  

Assédio, ameaças e agressões fazem parte da rotina de fiscais agropecuários no Rio Grande do Sul. Em março, a Associação dos Fiscais Estaduais Agropecuários do Estado (Afagro) encaminhou ofício para o Ministério Público relatando casos de intimidações para alertar que o Estado "não está cumprindo o seu papel, que é permitir que as ações fiscais sejam realizadas com a segurança necessária e com o treinamento contínuo adequado". Na avaliação da entidade, a redução do quadro e a proposta do governo de terceirizar parte das atividades tendem a precarizar ainda mais as relações.

"Muitas vezes, o objetivo é intimidar a ação fiscal, fazendo com que o agressor consiga alcançar seu objetivo, que é trocar o fiscal ou substituí-lo por um médico veterinário do município, que, em geral, não possui poder de polícia administrativa e, portanto, tem suas ações fiscais bastante reduzidas", diz o documento encaminhado para o MP.

Tiros na madrugada

Aprovada no último concurso para fiscal estadual agropecuário, em 2014, Fernanda (nome fictício) não imaginava que enfrentaria tantas dificuldades para realizar seu trabalho. Logo nos primeiros meses, os donos do frigorífico que inspecionava sugeriram "vantagens" para que a servidora fizesse vista grossa. Fernanda não aceitou ser corrompida. Foi quando os conflitos começaram.

O estabelecimento, principal empregador em um pequeno município do RS, enfrentava dificuldades financeiras e a fiscal encontrava resistências todas as vezes que precisava determinar a condenação de produtos.

— Nosso trabalho é bastante estressante. Recebemos pressão todos os dias, tanto para liberar no horário (o início do abate) como para nunca impor nada — explica.

A crise do frigorífico foi se agravando e Fernanda passou a ser apontada como culpada até mesmo pelas demissões que ocorriam. Segundo ela, a empresa "mandava na cidade" e fazia questão de passar a ideia de que a "fiscalização estava errada e atuava para prejudicar". Entre alguns moradores e funcionários, a profissional era vista com certo desprezo.

Apesar das pressões, Fernanda mantinha-se firme no seu dever. Até que, no início deste ano, ela foi seguida por uma moto quando se dirigia ao trabalho, de madrugada. Uma semana depois, seu carro foi alvejado por tiros, também na calada da noite. Depois dos dois episódios, não voltou mais para o frigorífico.

— Não tenho dúvidas de que foi para me assustar, e eles conseguiram. Estamos todos os dias na linha de frente, nos expondo.

O frigorífico não sofreu penalidade nenhuma, a secretaria não me ofereceu apoio de tipo algum. Só eu fui prejudicada, tive que arrumar meu carro, que usava para trabalhar, e todo esse tempo estou tentando superar isso.

Cinco boletins de ocorrência em 10 anos

Em uma década de atuação como fiscal estadual agropecuário, Rafael (nome fictício) já se viu obrigado a registrar cinco boletins de ocorrência devido a ameaças sofridas em decorrência do seu exercício profissional. O veterinário passou por várias inspetorias e diz que as pressões e as dificuldades são maiores nos municípios com um grande número de produtores. Quanto maior o rebanho, diz ele, maior a força política e econômica dos pecuaristas, o que acaba reverberando no trabalho de fiscalização.

— Muitos municípios só têm um fiscal e os produtores sabem quem é. Então, eles te perseguem, fazem pressões políticas. Primeiro, vem um conhecido teu e diz "olha, diminui, dá uma parada, não faz assim com o fulano". Depois, vai se agravando até o ponto de chegar a ameaças veladas, de ligarem e ameaçarem tua família — conta.

Quando o trabalho resulta em multas — que, dependendo do tipo de infração, podem facilmente passar a casa dos R$ 50 mil — as pressões costumam aumentar. Nesses casos, Rafael diz que tenta "seguir normalmente, mas ainda mais atento".

— A gente tem que tocar a vida, pois recebe salário e tem um cargo a zelar. Nosso trabalho é focado no bem da sociedade, para que não ocorra um foco de doença, como a aftosa, que seria uma pá de cal no Estado, e para garantir a saúde da população, fazendo fiscalizações, coibindo abigeato e abate clandestino.

Sobre as condições de trabalho, ele diz que voltaram a ficar precárias nos últimos anos e que faltam "coisas básicas", como folha e tinta para a impressora. O fiscal também lamenta a falta de apoio do Estado, que sequer disponibiliza psicólogo ou advogado quando ocorrem ameaças e processos.

 

 

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