12/07/2021

Pesquisa detalha de forma inédita contaminação do Arroio Dilúvio por metais potencialmente tóxicos

 

Uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da UFRGS (PPGCS) analisou em detalhes a contaminação por metais no Arroio Dilúvio, córrego que se estende por 18 km entre Viamão e Porto Alegre. A partir da análise de sedimentos, os pesquisadores descobriram que a poluição do Dilúvio cresce ao longo de sua extensão – ou seja, o arroio carrega metais potencialmente tóxicos, como zinco, chumbo e cobre, além de elementos orgânicos, como carbono, nitrogênio e fósforo, para o Lago Guaíba, que abastece Porto Alegre.

A pesquisa, que faz parte do mestrado do engenheiro agrônomo Vinícius Maggioni dos Santos, também analisou sedimentos das chamadas “ilhas”, os bancos de areia que vão se acumulando no meio do arroio e onde crescem plantas de forma espontânea. Nesses locais, foi encontrada uma alta concentração de metais potencialmente tóxicos, especialmente zinco, cobre e chumbo. O grupo de pesquisa ainda coletou três espécies de plantas que crescem espontaneamente nessas ilhas e investigou a viabilidade de usá-las como “filtros” desses metais. Os cientistas descobriram que as plantas acumularam metais – especialmente o zinco – em suas raízes, o que aponta que elas podem atuar como barreiras para os contaminantes, reduzindo a quantidade deles que chega ao Guaíba.

“Essa é a primeira avaliação com esse nível de detalhamento da poluição ao longo do arroio, especialmente focando na contaminação por metais potencialmente tóxicos, que não é visível e nem perceptível no gosto ou no odor da água”, enfatiza Tales Tiecher, coorientador de Vinícius e professor do PPGCS. Na primeira etapa do trabalho, Vinícius coletou amostras de sedimentos em 15 pontos dos quase 18 km de extensão do Dilúvio (das nascentes até a foz). Na segunda fase, foram coletadas mais cinco amostras de sedimentos e plantas das “ilhas” que se formam na área canalizada do arroio. Os pesquisadores ressaltam que um dos motivos de analisar toda a extensão do arroio é poder comparar e verificar o grau de contaminação em cada um dos pontos.

Apesar da poluição do Dilúvio aumentar ao longo da extensão do córrego, as amostras de sedimento coletadas já na parte inicial (na Represa Lomba do Sabão, no Parque Saint-Hilaire, em Viamão) apresentaram um alto índice de carbono e de metais potencialmente tóxicos: zinco, cobre, chumbo, cromo e níquel. Segundo os pesquisadores, isso ocorre em função do esgoto doméstico das comunidades vizinhas, que é lançado na água sem tratamento adequado. “Se o sedimento tem muito carbono, ele acaba acumulando mais metais, em especial os potencialmente tóxicos”, acrescenta o pesquisador e integrante do grupo Leonardo Capeleto de Andrade.

Outro aspecto que influencia na concentração de metais e que foi analisado na pesquisa é a granulometria, ou seja, o tamanho das partículas. A caracterização da granulometria não serve apenas para saber o tamanho de determinada partícula, mas também sua capacidade de retenção: “As partículas mais finas são ricas em minerais com capacidade de reter nutrientes, além de metais e outros contaminantes. Isto é, quanto mais fina é a partícula, maior é a capacidade dela de adsorver esses compostos”, explica Tales. Vinícius acrescenta que, nas amostras coletadas na Lomba do Sabão, as partículas dos sedimentos são mais finas, uma vez que naquele ponto a água fica mais parada do que no restante do córrego: “Nós encontramos um pico de contaminação nesse local também porque as partículas ficam mais tempo ali. À medida que a água vai correndo no restante do Dilúvio, a granulometria dos sedimentos é maior, porque as partículas mais finas vão sendo carregadas pelo curso da água”.

Plantas podem atuar como “filtro” para os metais

Qualquer pessoa que passe próximo ao Dilúvio percebe, pelo aspecto e pelo cheiro da água, que o arroio é bastante poluído. Foi pedalando às margens do Dilúvio, rumo à Faculdade de Agronomia da UFRGS, que Vinícius teve a ideia para a segunda parte da pesquisa. “Todo dia, indo de bicicleta para o campus, eu ia reparando nas ‘ilhas’, e, conversando no grupo de pesquisa, decidimos que seria interessante estudar as plantas que crescem nelas, para ver o quanto elas absorviam daqueles metais”, conta.

Foram coletadas, então, amostras de três espécies de plantas abundantes nas “ilhas” – a braquiária, o sorgo e o capim-arroz – para investigar a possibilidade de usá-las para fitorremediação. Tales explica que fitorremediação é, basicamente, utilizar uma planta para resolver um problema. “As plantas têm capacidade de absorver elementos. Muitos elementos são nutrientes, porque elas precisam, por exemplo, de cobre e zinco em pequenas quantidades. Mas algumas plantas, quando expostas a altas concentrações de metais, conseguem absorvê-los ou realizar alguma estratégia, como imobilizar o metal na raiz sem que isso cause problemas a elas”, acrescenta. Outras conseguem translocar os metais, isto é, transportar essas substâncias para a parte aérea da planta (folhas e galhos), sem que isso necessariamente cause dano ao vegetal.

Os pesquisadores queriam investigar a possibilidade de fitoextração, processo no qual a planta consegue absorver o metal, translocá-lo para a parte aérea, e o ser humano pode retirar a parte aérea, levar essa parte para outro local e incinerá-la para eliminar o metal. “Os metais não se degradam naturalmente: são moléculas que não se modificam e se acumulam. Esse é o conceito da bioacumulação: se um animal consome chumbo, esse metal vai ficar nesse animal até o fim da vida dele. Em uma cadeia alimentar, quem consome esse animal também vai ser contaminado”, esclarece Vinícius. Por isso, quando a planta transloca o metal para a parte aérea, é necessário eliminar essa parte do vegetal. Caso contrário, “quando a planta morrer, ela vai se degradar naquele ambiente e liberar aqueles metais novamente”.

Nenhuma das três plantas mostrou bons resultados para a fitoextração, pois não translocaram os metais para a parte aérea. No entanto, a braquiária mostrou o melhor resultado em absorver os metais e acumulá-los nas raízes – especialmente o zinco. Isso indica que ela atua como uma espécie de “filtro”, diminuindo a quantidade de metais que chega ao Guaíba. “Enquanto as braquiárias estão ali nas ‘ilhas’, elas estão cumprindo um papel, um ‘serviço ambiental’, de estabilizar aqueles metais e evitar que os peixes se contaminem mais”, afirma Tales. No entanto, ele ressalta que a formação das “ilhas” traz um outro problema: o acúmulo de material diminui a vazão do Dilúvio. Leonardo alerta que “as plantas podem cumprir um papel, só que isso precisa de manutenção: não dá pra deixar tudo como está agora, em que qualquer chuva forte faz a água subir até a avenida. Ao mesmo tempo, tirar todas as ‘ilhas’ é forçar a água a ser um ‘jato’ e levar tudo para o Guaíba”.

Além da dragagem do arroio, que não é feita desde 2018, os pesquisadores apontam que uma possível solução para o Dilúvio seria o uso de plantas aquáticas para a descontaminação. “Existem estudos que utilizam plantas que boiam na água, as macrófitas, colocadas em uma espécie de caixa. De tempos em tempos, recolhe-se a caixa, incinera-se aquela planta, e outra caixa com outra planta é colocada”, explica Leonardo. Seria uma espécie de ecobarreira, mas ele frisa que, para que seja uma solução efetiva, precisaria haver várias ecobarreiras e com manutenção regular.

O papel da ciência para a elaboração de políticas públicas

Os pesquisadores apontam que o acúmulo de metais no arroio é antrópico, ou seja, causado por ações humanas. Além do lançamento das redes de esgoto pluvial no Dilúvio, o arroio é cercado pela Avenida Ipiranga, uma das principais da cidade, pela qual passa um grande fluxo de veículos. O desgaste dos freios e pneus dos veículos e da manta asfáltica, assim como a queima de combustível aumentam a quantidade de metais que chega ao arroio, e o crescimento da área impermeabilizada e a falta de arborização nas margens também contribuem para a degradação.

O próprio curso do arroio foi modificado pelo ser humano; essas transformações iniciaram em 1912, quando foram feitas modificações no canal do Dilúvio dentro da Faculdade de Agronomia da UFRGS. Entre as décadas de 1930 e 1980, o córrego foi canalizado entre a foz, no Guaíba, e a Avenida Antônio de Carvalho, com o objetivo de conter inundações. Ao mesmo tempo, a Avenida Ipiranga foi construída nas margens do arroio.

Desenho de Carolina Burin retratando o Dilúvio antes e depois da canalização – Fonte: https://bit.ly/3AEwWEM

 

Com a canalização, o Dilúvio passou a receber o esgoto não tratado da cidade. Os cientistas ressaltam que, mesmo visto como um “esgoto a céu aberto” pela população da cidade, o Dilúvio é um rio e tem a sua importância. “Ele não é só um canal de macrodrenagem da cidade. O Dilúvio tem uma biota, uma natureza ali dentro”, afirma Vinícius. “Até a Faculdade de Agronomia, ele é um rio mesmo, com mata ciliar, animais, etc., só que, a partir da Av. Antônio de Carvalho, ele teve toda sua estrutura modificada para ser usado como macrodrenagem”, complementa Leonardo.

Há muito a ser feito em relação ao saneamento básico em Porto Alegre. Segundo dados do Painel do Saneamento, do Instituto Trata Brasil, 8,7% da população da capital não possui coleta de esgoto, e 51,6% do esgoto da cidade não é tratado. A Prefeitura aposta em uma controversa parceria público-privada (PPP) para melhorar esses índices: a PPP do Saneamento, que foi iniciada na gestão de Nelson Marchezan Júnior (2017-2020) e segue em andamento pelo atual prefeito, Sebastião Melo.

Quando perguntados sobre os próximos passos da pesquisa e que impactos esperam que ela tenha na situação do Dilúvio, os cientistas reforçam o quanto estudos como esse são necessários para a formulação de políticas públicas. “O maior beneficiário desse estudo é a Prefeitura de Porto Alegre, que recebeu, sem custo nenhum, resultados que podem guiar políticas públicas de trânsito, meio ambiente e saneamento”, afirma Leonardo. Segundo eles, órgãos públicos estaduais e municipais, como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre (Dmae), têm conhecimento do trabalho de Vinícius e dos resultados obtidos.

Nesse contexto, os três pesquisadores destacam o papel da universidade pública e da ciência: “O Dmae fazia análises anuais no Dilúvio e no Guaíba, em mais de um ponto, mas não consegue mais fazer isso porque não tem verba. Então, quando conseguem esses dados de uma outra fonte, é um benefício enorme pra eles”, enfatiza Leonardo. Para Tales, a dissertação mostra a relevância dos investimentos na ciência: “Além de produzir estudos de qualidade, com uma importância científica de nível internacional, ainda estamos formando e preparando pessoas. Quantos outros Vinícius poderíamos ter por aí, pensando em estratégias para resolver o problema do Dilúvio e de outros rios?”, questiona. “Precisamos de pessoas motivadas e competentes, mas para que isso ocorra precisamos de bolsas e de recursos”. No PPG Ciência do Solo, 5 bolsas de mestrado e 2 de doutorado foram cortadas, o que representa 10% das bolsas do PPG.

Tales afirma que pretende seguir atuando nessa linha – no momento, ele está pesquisando a origem dos sedimentos do Guaíba. “O cenário não é nada favorável, mas a vontade de seguir é enorme, e vamos seguir lutando até a última possibilidade”, afirma. Já Vinícius não pretende, por enquanto, seguir no doutorado e reflete que é desanimador ver os resultados obtidos não serem utilizados. “Realmente esperamos que esse resultado sirva para a tomada de decisão sobre políticas públicas, para mudança de ações, para mitigar esse impacto e para que o Dilúvio não seja esse canal de esgoto a céu aberto”, conclui.

SAIBA MAIS

Artigos científicos:

dos Santos, V.M., de Andrade, L.C., Tiecher, T. et al. The Urban Pressure Over the Sediment Contamination in a Southern Brazil Metropolis: the Case of Diluvio Stream. Water Air Soil Pollut, 2020: https://doi.org/10.1007/s11270-020-04504-2.
dos Santos, V. M., de Andrade, L. C., Tiecher, T. et al: Phytoremediation of metals by colonizing plants developed in point bars in the channeled bed of the Dilúvio Stream, Southern Brazil. International Journal of Phytoremediation, 2021: https://doi.org/10.1080/15226514.2021.1924614

Dissertação de mestrado:
Título: Caracterização dos sedimentos do Arroio Dilúvio e avaliação do potencial de fitorremediação por plantas espontâneas do sistema para a carga de elementos potencialmente tóxicos
Autor: Vinícius Maggioni dos Santos
Orientador: Flávio Anastácio de Oliveira Camargo
Coorientador: Tales Tiecher
Unidade: Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo

 

 

 

Leia também

12/09/2024

Sancionado o Programa Brasil Semicon

12/09/2024

ELEIÇÕES 2024: Diretoria do SENGE-RS recebe candidato Sebastião Melo

11/09/2024

SENGE-RS e APSG tratam sobre PL que propõe equiparação entre os geólogos e engenheiros geólogos

Descontos DELL Technologies

Aproveite os descontos e promoções exclusivas para sócios do SENGE na compra de equipamentos, periféricos e serviços da DELL Technologies.

Livro SENGE 80 anos

Uma entidade forte, protagonista de uma jornada de inúmeras lutas e conquistas. Faça o download do livro e conheça essa história!

Tenho interesse em cursos

Quer ter acesso a cursos pensados para profissionais da Engenharia com super descontos? Preencha seus dados a seguir para que possa entrar em contato com você:

Realizar minha inscrição

Para realizar a sua inscrição, ao preencher o formulário a seguir, escolha o seu perfil:

Profissionais: R$ 0,00
Sócio SENGE: R$ 0,00
Estudantes: R$ 0,00
Sócio Estudantes: R$ 0,00
CURRÍCULO

Assine o Engenheiro Online

Informe o seu e-mail para receber atualizações sobre nossos cursos e eventos:

Email Marketing by E-goi

Ao fornecer seu dados você concorda com a nossa política de privacidade e a maneira como eles serão tratados. Para consulta clique aqui

Tenho interesse em me associar

Se você tem interesse de se associar ao SENGE ou gostaria de mais informações sobre os benefícios da associação, preencha seus dados a seguir para que possa entrar em contato com você:

Ao fornecer seu dados você concorda com a nossa política de privacidade e a maneira como eles serão tratados. Para consulta clique aqui

Entre em contato com o SENGE RS

Para completar sua solicitação, confira seus dados nos campos abaixo:

× Faça contato