09/03/2010

Queda da ponte (RSC-287): subsídios à discussão técnica

Por: Hermes Vargas dos Santos
Blog Hidrovias Interiores

No dia 05/01, pela manhã, ruiu a ponte sobre o Rio Jacui na RSC-287, provocando a morte de diversas pessoas e imensos prejuízos ao sistema de transporte do RS. Para restabelecer provisoriamente a ligação rodoviária será implantada, de imediato, uma travessia de veículos por barca, num local próximo localizado acima da antiga ponte (Passo da Barca). Em seguida, será iniciada a construção de uma nova ponte no local, em estrutura metálica, para restabelecer em definitivo a travessia rodoviária, cuja conclusão deve ocorrer até o final do ano.

São medidas corretivas de curto prazo, necessárias para normalizar a circulação de veículos na RSC-287, mas não são suficientes – a nova estrutura também estará exposta à ação de futuras enchentes. Além de uma nova concepção de estrutura, com maior capacidade para suportar a extraordinária sobrecarga provocada por fluxos d’água em regime de enchente, também é necessário fazer a manutenção periódica da obra de arte, precedidas de vistorias de campo.

Além disso, as entidades públicas envolvidas – empresas de geração de energia elétrica, de construção/conservação de rodovias, polícia rodoviária e defesa civil, devem trabalhar de forma coordenada. A abertura de comportas de represas, para aliviar a pressão da água, não pode ser feita sem avaliar as medidas que devem ser tomadas a jusante dessas estruturas, nas áreas ribeirinhas, nas rodovias e nas obras de arte; se for o caso, é necessário providenciar a interdição de rodovias, pontes e viadutos e a evacuação das populações das áreas de risco. Não se pode permitir, por exemplo, a presença de pessoas circulando sobre obras de arte que estão sob risco iminente de colapso estrutural!
A seguir, são fornecidos dados técnicos pertinentes ao assunto.

A ponte que desabou possuia 320 metros de extensão, vão principal com 41 metros de largura, e proporcionava um tirante de ar de 1,64 metros em águas máximas, e de 14,5 metros em águas mínimas, conforme dados fluviométricos da localidade de Dona Francisca no período 1940-1958 (PDNI/RS,1976).

No dia anterior à queda da estrutura, 04/01, a estação fluviométrica existente no município de Dona Francisca, que está situado 18,87 km a montante do local do acidente, acusou as seguintes leituras: 3,97 m (07:00) e 10,10 m (17:00), sendo que o valor máximo observado atingiu a marca de 10,74 m (23:00). No dia da tragédia, 05/01, os valores observados nessa localidade foram de 9,70 m (07:00) e 9,30 m (17:00).

O valor máximo observado, de 10,74 m (04/01, 23:00), representa um altitude de 43,55 metros para a superfície da lâmina d’água, pois o zero dessa estação fluviométrica (régua) encontra-se a uma altura ortométrica de 32,81 metros, conforme nivelamento geométrico feito em 1984 pela CPRM. A declividade do Rio Jacui nesse trecho, em regime de enchente, é de até 0,16 m/km, o que indicaria um nível d’água de 40,53 metros no local da queda, situado 18,87 km abaixo da referida régua linimétrica. Isso teria ocorrido no ínicio do dia 05/01, em torno da meia-noite do dia 04/01.

A ponte ruiu parcialmente, e encontra-se a uma altitude de 42,92 metros, conforme ficha da referência de nível localizada na extremidade oeste da ponte (RN 1197S, IBGE). Então, no início da madrugada do dia 05/01, em razão da elevada cota de enchente (40,53 m), a água deve ter chegado muito próximo à viga da estrutura, ou até mesmo ter atingido a mesma ainda que superficialmente, pois a folga foi reduzida a 2,39 metros (42,92 m – 40,53 m = 2,39 m). Não temos elementos sobre as dimensões da viga longitudinal, mas as fotos indicam, proporcionalmente às pessoas que aparecem sobre a ponte, uma altura de aproximadamente 2 (dois) metros.

O colapso estrutural ocorreu, no entanto, somente às 09:00 do dia 05/01 (horário aproximado, de acordo com as testemunhas), quando o nível d’água estava a uma cota linimétricade 9,62 metros, valor obtido por interpolação linear dos valores observados na estação fluviométrica da CPRM (Dona Francisca). Assim, no momento da queda da ponte, a água encontrava-se a uma cota de 39,41 metros, com uma folga de 3,51 metros em relação à referência de nível RN 1197S (IBGE). Ao que tudo indica, no momento do colapso da ponte a água encontrava-se abaixo do nível da viga longitudinal; mas a estrutura apresentava-se fragilizada pela ação da água, cuja ação aumentou drasticamente durante a madrugada.

Outro dado importante a ser considerado é que, de acordo com informações veiculadas pela própria empresa responsável pela UHE Dona Francisca, localizada 35 km a montante do município de mesmo nome, a vazão na represa atingiu um nivel recorde de 8.240 metros cúbicos por segundo em 04/01 (18:00, pico de vazão). A notável variação no nível d’água observado na estação fluviométrica – de 3,97 metros (07:00) para 10,74 metros (23:00), ocasionou uma sobreelevação da onda de cheia, com o conseqüente agravamento da situação junto à ponte da RSC-287.*

* O texto original fazia referência à abertura de comportas da barragem próxima ao local, conforme foi amplamente veiculado pela imprensa logo após a queda da ponte, e foi corrigido em razão de informação prestada por Carlos Augusto de Moura, de que essa barragem é de soleira livre, que extravasa quando sua capacidade volumétrica é excedida. Verificamos que a própria CEEE emitiu nota oficial a respeito disso,e a matéria foi objeto de divulgação nos sites oficiais.

No entanto, isso não altera o fato de ter ocorrido uma notável elevação do nível d’água, observado na régua da CPRM em Dona Francisca, num período de poucas horas. Esse "salto" na altura da lâmina d’água merece, com certeza, ser melhor examinado – a montante dessa represa (Ernestina, Passo Real, Maia Filho e Itaúba), ou em represas localizadas nos tributários do Rio Jacui, a montante do município de Dona Francisca.

Sem prejuízo da análise das condições da ponte por ocasião do colapso da estrutura, em termos de seu estado de conservação, de laudos e relatórios concernentes a vistorias e obras anteriores, os elementos acima permitem sugerir que o restabelecimento dessa ligação rodoviária é mais do que necessário; num primeiro momento em caráter provisório (travessia por barca), depois de forma definitiva (construção de nova ponte). Mas não é suficiente, pois na conjugação dos fatores que acarretaram a queda dessa ponte, seguida da morte de diversas pessoas, a experiência técnica e/ou conhecimento do regime hidráulico dos rios, com a prévia coordenação dos órgãos públicos envolvidos – CEEE (Dona Francisca, Itaúba, Maia Filho, Passo Real e Ernestina), DAER, Defesa Civil e Polícia Rodoviária Estadual, são elementos cruciais para uma ação governamental preventiva nas enchentes.

Fontes: PDNI/RS, CPRM, SPH, Agência Nacional de Águas (ANA), ONS, CEEE e IBGE. 

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