A auditoria da Dívida Pública, o questionável déficit na Previdência e a Justiça Social foram temas debatidos durante o Seminário Transparência e Cidadania, realizado nesta segunda-feira (29) no Teatro Dante Barone, em Porto Alegre.
O Seminário é uma realização do Sindicato dos Engenheiros, em parceria com AFOCEFE Sindicato, CEAPE Sindicato, FENASTC, SINDAERGS e SINTERGS, com apoio da Assembleia Legislativa, SIMPE, SINFRAJUFE, ASSUFRGS, ASAE, FESSERGS, SIMVETRS, SEMAPI e União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, e patrocínio da Rio Sul Seguros, Fundação CEEE – SENGE Previdência e Uniodonto Porto Alegre
Audiência Pública e palestra de Maria Lúcia Fattorelli
A programação do Seminário iniciou com a audiência pública da Comissão de Finanças da ALRS, presidida pelo seu vice-presidente, deputado Luiz Augusto Lara, que exaltou em sua manifestação a tradição do SENGE de promover debates sobre temas de extrema relevância à gestão pública e ao momento atravessado pelo RS. “Quero agradecer ao SENGE por trazer essa discussão pela primeira vez de forma pública e consistente, como naquele Seminário realizado na PUCRS”, disse o deputado lembrando o Seminário Dívida Pública, realizado em 30 de março.
Sobre o evento em curso, Lara ressaltou que apesar de estarmos atravessando um dos momentos mais agudos da crise no Estado, o que está por vir deverá ser ainda pior. O deputado se refere ao ano de 2018, quando se encerra o incremento da receita advinda com o aumento das alíquotas de ICMS e serão retomados os pagamentos integrais das parcelas da dívida com a União, que giram em torno de R$ 275 milhões por mês. “Em julho de 2018 já estaremos pagando o alongamento da dívida. Não estamos tratando de uma renegociação, e sim de um alongamento que faz com que o Estado se mantenha bom pagador do sistema financeiro internacional por mais 20 anos”, criticou Lara.
Visando antecipar medidas de contenção do cenário anunciado, o deputado lembrou os Projetos de Lei em tramitação na ALRS, ambos de sua autoria, que estabelecem a auditoria da dívida pública estadual (PL 136/2016) e da efetividade dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado (PL 135/2016). “Nós estamos fazendo uma lei para o óbvio”, afirmou Lara, que encerrou sua fala citando o exemplo do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina, considerado exemplo em transparência no país e que deve ser de referência para os demais Estados, especialmente o RS.
Da mesa da Audiência Pública participaram o vice-presidente do SENGE, Luiz Alberto Schreiner, o subsecretário do Tesouro, Leonardo Maranhão Busatto; pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado, Álvaro Fakredin; o procurador-adjunto paras Assuntos Jurídicos, Leandro Augusto Nicola de Sampaio; pelo Tribunal de Justiça, a desembargadora Denise Oliveira Cezar; pelo Ministério Público, a subprocuradora-Geral Ana Cristina Cusin Petrucii; pelo Ministério Público de Contas, o auditor público externo Gerson Luiz da Fonseca; pela Defensoria Pública, o defensor Rafael Pinheiro Machado; pela OAB/RS, o presidente da Comissão Especial de Controle Social dos Gastos Públicos, Mário Epstein; e pelo Tribunal de Contas, o auditor público externo Luis Fernando Alcoba de Freitas.
Dando sequência à Audiência, a auditora federal e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, iniciou sua palestra explicando a origem e a escalada da dívida do Estado, desde os anos 70 até a promulgação da Lei Federal 9.496, em 1997, que estabeleceu critérios para a consolidação, a assunção e o refinanciamento da dívida pública dos Estados pela União.
A partir da contextualização, a auditora reiterou a necessidade de auditoria, lembrando que o RS já pagou mais de duas vezes o valor refinanciado e ainda deve R$ 54,2 bilhões em valores atualizados em maio de 2016. “O governo privatizou empresas, sacrificou a população e ainda deve”, afirmou Fattorelli.
“A súmula 121 do STF diz que é ilegal cobrar juros compostos, ainda que previstos em contrato. Se o órgão fosse julgar de acordo com a Constituição e com sua própria súmula, deveria dar razão aos estados, mas deu uma de Pilatos e lavou as mãos, devolvendo o caso para a negociação política e para a PLP 257, que é um engodo. Ele não renegocia coisa alguma, simplesmente eterniza a injustiça para no mínimo mais 20 anos, porque nessas condições a bola de neve não para de crescer e quanto mais se paga, mais vai dever”, disse a auditora, se referindo ao Projeto de Lei Complementar que em tese deveria estabelecer um Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal, mas na prática apenas alongou ainda mais uma dívida impagável.
Fattorelli alertou também para um movimento que vem crescendo no Brasil referente ao surgimento de empresas estatais regidas pelo direito privado, que já causaram efeitos devastadores em países da Europa. Como exemplo citou a InvestPOA, uma sociedade anônima de economia mista criada para gerenciar ativos, onde a Prefeitura de Porto Alegre será a acionista majoritária. Prevista inicialmente para atuar com capital fechado, a intenção do projeto é abrir o capital e vender títulos das dívidas de ISSQN e IPTU, além de empreendimentos com parceiros privados e negociação de créditos imobiliários. “Estamos verificando o surgimento de esquemas idênticos aos que quebraram países da Europa através de empresas estatais, porém não independentes. Elas não têm obrigação de prestar contas à Lei de Acesso a Informação, não são fiscalizadas e podem contratar sem concurso. O objetivo central desse tipo de empresa é emissão de títulos chamados debêntures, que são títulos que se comprometem a pagar juros, um esquema ilegal de geração de dívida pública”, denunciou Fattorelli, que classificou como um escândalo a intenção do Congresso Nacional de legalizar e perpetuar esse tipo de transação através de projetos de lei. A auditora destacou o PLS 204/2016, de autoria do senador José Serra, que visa legalizar essas operações que usam créditos tributários em garantia de emissão de debentures, e a PEC 241/2016 que pretende congelar todos os gastos primários por 20 anos e ao mesmo tempo reserva recursos para empresas estatais não dependentes, penalizando a sociedade com o engessamento dos investimentos sociais e contribuindo ainda mais com o sistema financeiro. "Estão colocando o estado a serviço do esquema financeiro na Constituição Federal. Podemos eleger quem for, que o gasto primário está congelado por 20 anos, mas o esquema financeiro está garantido. Isso é uma infâmia, tem que ser denunciado. Esse esquema já funcionou na Europa e todos nós já vimos as consequências deles”, seguiu Fattorelli.
A auditora ainda voltou a criticar a política monetária do governo federal. “Nós temos no Brasil um modelo tributário aleijado. Ele deveria servir para distribuir a renda, para cobrar de quem tem mais e promover a justiça social. Hoje é o inverso, os benefícios são para quem tem capacidade contributiva. Os que menos tem são o que proporcionalmente mais pagam”, criticou Fattorelli, que ainda completou: “Se cobrasse apenas 5% de fortunas superiores a R$ 50 milhões, teríamos uma arrecadação de R$ 90 bilhões. Apenas 0,5% da população economicamente ativa detém 43% do patrimônio declarado à Receita Federal. Nós somos o país mais injusto do mundo nesse aspecto.”
Por fim, alertou quem são os atores que lucram com a crise do país. “Em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4%, o lucro dos bancos foi 20% superior ao de 2014. Tudo visa proteger o pagamento de uma dívida que é a verdadeira responsável pela crise em um cenário formado por mecanismos fraudulentos”, encerrou Fattorelli.
Acesse o arquivo da palestra de Maria Lucia Fattorelli.
O futuro da Previdência Social e a matriz tributária
À tarde, a doutora em Economia e pesquisadora do Instituto de Economia (UFRJ), Denise Gentil, deu início ao painel Cidadania, Previdência e Justiça Social apresentando a palestra A Contrarreforma da Previdência: Privatização e Retrocesso.
Gentil iniciou sua manifestação comparando a condução dos investimentos e políticas públicas nas áreas da saúde e previdência social. Segundo a especialista, desde 2011 havia o discurso do governo federal de reformular a política macroeconômica dos governos anteriores, e nesse âmbito foi dado o protagonismo do desenvolvimento econômico aos investidores privados através de benefícios fiscais. Quando foram ampliados os patamares de renúncia fiscal na saúde visando estimular o setor, o governo não avaliou corretamente se os recursos destinados ao SUS eram suficientes. “Os recursos que podiam estar sendo alocados na saúde pública estavam sendo destinados a empresas que não tem o compromisso com a saúde pública. O governo patrocinou as empresas privadas quando quebrou o SUS e é exatamente a mesma lógica da Previdência”, afirmou Gentil, que ainda segue: “Anuncia discurso de quebradeira, fala em déficit crescente, reduz benefícios, contém gasto, provoca insegurança geral na sociedade sobre o futuro para que as pessoas se dirijam a um banco em busca de um plano de previdência complementar. É uma privatização silenciosa e orquestrada. Cada vez que o governo anuncia reforma na previdência, os bancos publicam crescimento de carteira na área”, denunciou a economista.
Gentil defende a tese de que o chamado “déficit” da previdência é uma farsa, afirmando que não há uma crise fiscal no setor. “Se anuncia o rombo mas se faz renúncia tributária de mais de 50% em cima das receitas de Seguridade Social”, critica a economista. Ela embasa sua teoria trazendo números comparativos dos gastos no setor previdenciário aos pagamentos de juros e demais transações financeiras realizadas pelo governo. “O governo diz que gasta muito com previdência. Ele gasta mais ou menos ao ano R$ 434 bilhões, conforme dados de 2015, valor que atende a 28 milhões de beneficiários. O governo gastou no ano passado R$ 501 bilhões com pagamento de juros que beneficiaram menos de 100 mil pessoas, provavelmente 72 mil. É disso que nós estamos falando. Em 2015 o governo torrou em swaps cambiais R$ 89,7 bilhões. Onde está o problema? Será que o problema estaria de fato na previdência?”, questiona.
Sobre o futuro da previdência, a economista reitera a necessidade de investimentos em políticas sociais, especialmente em educação de forma que os jovens possam integrar a força de trabalho do país com mais qualidade e assim seguirem mantendo o sistema de seguridade. “Entre 2023 e 2026 nós teremos o ápice da força de trabalho no Brasil. Nunca na história da nossa economia nós teremos uma oferta tão grande de força de trabalho. E o que estamos reservando a estes jovens? Se no futuro nós tivermos jovens produtivos, que receberam acesso à educação, à ciência e tecnologia, à saúde de qualidade, e eles produzirem muito mais do que os jovens de hoje, nós não teremos problema nenhum com a velhice. Porque eles produzirão o suficiente para remunera-los e para pagar a aposentadoria dos idosos”, analisou Gentil.
Acesse o arquivo da palestra de Denise Gentil
Na sequência, o auditor-fiscal da Receita Federal e diretor do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, iniciou sua manifestação falando sobre o discurso repetido pelo senso comum, e apoiado por entidades empresariais, que classifica a carga tributária brasileira como impeditiva ao desenvolvimento do país. “Alguém cria, outros repetem e os demais acreditam e passam adiante. E quanto mais a narrativa é ouvida sem reflexão, mais o mito se torna incontestável e se torna verdade” afirmou Santos.
Sobre essa questão, o auditor explicou que é impossível compararmos a carga tributária brasileira com a de países mais desenvolvidos sem levarmos em consideração as características da população, do PIB e dos investimentos sociais. “Comparam o Brasil com países que não têm sistema de previdência ou de saúde pública, por exemplo. Não se pode comparar modelos de estado diferentes, PIBs e populações. O que se pode comparar é a capacidade de promover políticas públicas”, disse Santos.
Nesse sentido o auditor classificou como ideológicas e desvinculadas da realidade as críticas a matriz tributária. “A crítica ao tributo esconde a crítica ao estado, é uma apologia ao estado mínimo. Não fala mal da política pública, fala do tributo. O estado do bem-estar social oferece mais benefícios e serviços ao cidadão, e por isso precisa de mais tributos. E é aí que se faz o paradigma que se transforma em mito. Não se fala se a carga tributária é boa ou ruim, se é necessária ou não, apenas que ela é alta”, criticou Santos.
Acesse o arquivo da palestra de Dão Real Pereira dos Santos
Encerrando as palestras do painel da tarde, o vice-presidente do Observatório Social do Brasil, Pedro Gabril, apresentou o trabalho desenvolvido pela sua entidade reunindo voluntários em todo o país para fiscalizar os gastos e atos públicos de forma independente.
Gabril classificou a causa dos problemas apresentados durante o Seminário como por ação ou por omissão. “Quem define a destinação dos tributos e as políticas públicas é a política partidária. O problema não é o tamanho do estado, e assim a qualidade da gestão”, afirmou.
Acesse o arquivo da palestra de Pedro Gabril
Os palestrantes encerraram o evento respondendo e debatendo sobre os questionamentos dos participantes, com a mediação do presidente do CEAPE Sindicato, Josué Martins.
* Em breve estarão diponíveis os vídeos das palestras.
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